Dacar – Mariama Sow, viúva de 30 anos, tenta levar uma vida mais próxima do normal junto com seus três filhos na capital do Senegal, após abandonar em junho a histórica cidade de Tombuctu, no norte de Mali, que no ano passado caiu sob controle de grupos rebeldes islâmicos. Sua família agora tem uma segurança relativa na casa da irmã mais velha de Mariama, que a ajuda no trabalho de seus dois “tanganas” (restaurantes informais).
“A ocupação islâmica não trouxe nada de bom, prejudicou muita gente e continuará afetando muitas pessoas nos próximos anos”, disse Sow à IPS, mas sem querer se aprofundar e somente acrescentando que foi um “inferno”. Visivelmente emocionada, declarou: “jamais esquecerei o ocorrido, mas decidi deixá-lo para trás e me concentrar no futuro dos meus filhos, que agora podem comer bem graças ao apoio da minha irmã”.
Sow contou que a imposição da shariá (lei islâmica) no norte de Mali prejudicou não apenas as mulheres, mas toda a população das áreas ocupadas pelos rebeldes. Ela se preocupa com seu filho mais velho, de oito anos, que não vai à escola desde abril de 2012, quando os grupos islâmicos aliados à rede extremista Al Qaeda assumiram o controle do norte de Mali. Suas filhas, de quatro e dois anos, ainda são muito pequenas.
“O primeiro ano de escola do meu filho foi interrompido pela ocupação. É um problema porque há um ano que não tem aula e no ano que vem completará nove anos. Não sei quando a paz voltará em definitivo para que possa se reintegrar”, lamentou Sow.
Apesar de a operação militar encabeçada pela França, a pedido do governo de Diocunda Traoré, ter conseguido expulsar os rebeldes, ainda falta muito para a paz definitiva. Os islâmicos recorrem agora a ataques suicidas e a outras estratégias de guerrilha. O informe Mali Após a Operação Militar Francesa, divulgado em fevereiro pelo Instituto de Estudos sobre Segurança, com sede na África do Sul, pede que se estabilize e garanta rapidamente a segurança do norte após sua libertação.
“Para consolidar os êxitos militares, e já que a França expressou o desejo de reduzir sua presença, ou pelo menos de que o compromisso seja multilateral, a ideia é que agora seja realizada uma operação da Organização das Nações Unidas (ONU) que substitua a Afisma” (Missão Internacional de Apoio a Mali Liderada pela África), diz o informe preparado por Lori Anne Théroux-Bénoni.
O conflito no norte de Mali forçou milhares de homens, mulheres, meninos e meninas a abandonarem suas casas. O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) tem registrados 167.370 malineses nos cinco países vizinhos. A Mauritânia abriga a maior quantidade de refugiados, com 68.385 pessoas, seguida de Níger com 50 mil e Burkina Faso com 48.939. Também há 26 na Guiné e 20 em Togo.
O funcionário responsável pela situação em Mali do escritório do Acnur para a África ocidental, Awo Cromwell, disse à IPS que há 31 solicitantes de asilo malineses no Senegal, cuja situação ainda deve ser analisada pela Comissão Nacional de Elegibilidade do Ministério do Interior. “São sete mulheres, 24 homens e três menores”, afirmou. Apesar de refugiada no Senegal, Sow não está registrada pelo Acnur, pois teve sorte de ter família nesse país. Já a maioria dos malineses que fugiram é obrigada a viver em acampamentos em Níger, Mauritânia e Burkina Faso.
No entanto, o problema da escolarização dos menores é o mesmo para todos. “Muitas crianças malinesas dos acampamentos de refugiados já perderam várias semanas e meses de aula. Se não começarem logo perderão todo o ano e correm o risco de não se reintegrarem à escola ao voltarem para Mali”, advertiu Laurent Duvillier, especialista em comunicações do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para a África central e ocidental, em entrevista à IPS.
“O futuro dos estudantes malineses não deveria estar em jogo por serem refugiados. Como se poderá reconstruir Mali se milhares de meninos e meninas não têm acesso à educação?”, perguntou Duvillier. Os menores que escaparam da violência em Mali sofrem muito, e que regressar à escola é uma forma de recuperar uma “vida normal”, porque brincam com outras crianças, aprendem e riem, acrescentou .
Os pais refugiados não têm muito tempo para cuidar dos filhos, pontuou Duvillier. “Se não recebem atenção, os menores ficam expostos a todo tipo de abusos e violência. É um grande alívio para os pais saber que estão seguros em um lugar onde podem aprender e brincar sem perigo”, destacou. Também disse que, junto com o Acnur, o Unicef trabalha para capacitar professores voluntários, distribuir materiais e montar barracas de campanha onde seja possível dar aula tanto em Níger quanto na Mauritânia e em Burkina Faso, além do próprio Mali.
“Lamentavelmente, ainda há muitas crianças malinesas que não têm acesso à educação. Temos que ter mais alunos, mais pessoal capacitado e equipado, e garantirmos que o que aprenderem lhes sirva para quando voltarem a Mali. São necessários mais recursos, pois as necessidades em matéria educacional ainda carecem de dinheiro”, enfatizou Duvillier.
Fonte: Envolverde/IPS