Nesta manhã veem-se menos sacolas com pães ao lado do caixa da padaria de Gennaro. “No inverno, graças a Deus, chegam menos barcos de refugiados por aqui”, comenta o padeiro. Normalmente, ele oferece os pães às pessoas famintas que, trazidas da praia sob escolta da guarda costeira, atravessam a localidade, passando em frente a sua loja.
A Ilha de Lampedusa se tornou sinônimo do fracasso da política de imigração italiana e, talvez, até mesmo da europeia. Nela vão parar, todos os anos, milhares de refugiados provenientes da África, que arriscam a vida em barcos inapropriados para navegação marítima. Quando há um naufrágio e o número de vítimas é suficientemente grande, então o mundo olha consternado para Lampedusa. Este foi o caso no início de outubro, quando mais de 300 morreram afogados ao largo da costa, depois de o barco em que vinham ter virado.
Se a travessia dá certo, os refugiados são confinados em campos de acolhimento, onde deveriam passar apenas alguns dias. Na realidade, porém, lá eles ficam esperando meses a fio. Isso tudo acontece longe dos olhos da opinião pública, já que quase ninguém tem acesso a esses locais. Quando, em outubro deste ano, o primeiro-ministro italiano, Enrico Letta, visitou Lampedusa ao lado do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, ele interrompeu o programa oficial de visita para poder dar uma olhada no local onde se amontoavam os refugiados.
Hipócrita e ineficaz
Em certa ocasião, o grande número de refugiados levou a pequena ilha e seus moradores à beira do insuportável. Em 2011, após a queda do ditador tunisiano Ben Ali e a subsequente Primavera Árabe, milhares fugiram para Lampedusa.
Em reação, o governo em Roma declarou situação de emergência humanitária, e o então ministro italiano do Interior, Roberto Maroni, criticou a “inércia dos países europeus na situação dos refugiados”.
Maroni era e ainda é um dos líderes políticos da Liga Norte, que incita o ódio aos imigrantes com slogans xenófobos, tentando evitar a todo o custo que sejam acolhidos. No entanto, até a renúncia de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, em novembro de 2011, a Liga era parceira minoritária do governo e responsável pela política de imigração. Ela estabeleceu um regime rígido, fechou acordos de extradição com a Líbia e outros países africanos, possibilitando-lhe enviar os refugiados imediatamente de volta a seus países de origem.
O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) protestou, por não ser dada qualquer oportunidade de asilo aos que fugiam da ditadura, guerra civil e fome. Apesar de tudo, a Liga Norte não conseguiu controlar o afluxo migratório descontrolado. Assim, o governo italiano transformou em delito penal o cruzamento da fronteira sem visto de permanência, decretando que só podia entrar legalmente quem já dispusesse de um contrato de trabalho.
Nenhuma mudança de lei
Apesar das promessas do atual governo Letta de alterar essa lei, ela é válida até hoje. Organizações italianas de ajuda humanitária denunciam a prática como hipócrita e não realista, já que nenhuma empresa italiana iria empregar alguém que nunca viu e que se candidatou à vaga a partir do Mali ou da Eritreia.
Atualmente os refugiados também estão cientes disso, e se dispõem a uma vida na ilegalidade. Quem pode, escapa do campo de refugiados e desaparece em direção ao norte. Em consequência, centenas de milhares deles vivem em situação irregular na Itália, mas também na França, Alemanha, Bélgica, Holanda ou Luxemburgo.
A União Europeia havia incumbido os países-membros do sul do continente, como a Grécia, Espanha, Itália, de proteger as fronteiras externas meridionais do bloco, mas fracassou nessa missão. E, assim, os italianos não são os únicos a se queixarem de ter sido abandonados pela UE.
Guerra entre pobres
Sobretudo nas camadas economicamente menos favorecidas, instaurou-se o medo de que os imigrantes e “refugiados da economia” possam disputar seus postos de trabalho, moradias populares e tudo o que elas conquistaram.
“Trata-se de uma guerra entre pobres. Quem não tem muito, luta contra quem tem ainda menos”, descreve Vittorio Rigoni, um padre franciscano que dirige o banco de alimentos para os pobres em Milão. Diariamente, sua ordem religiosa disponibiliza mais de 2 mil almoços gratuitos, mas sem que a ação se transforme em beneficência despersonalizada.
Os frequentadores do banco de alimentos são recebidos na entrada por voluntário: Alfio Petrassi se engaja ali há muitos anos, e já teve que ouvir muitos insultos – não dos estrangeiros pobres, mas sim dos moradores, vizinhos do sopão solidário. “Eles dizem que nós tratamos os migrantes tão bem que eles não voltam mais para a terra deles.”
Decepção na segunda geração
or quase 20 anos, a Itália se recusou a se ver como um país de imigração. Tanto na sociedade quanto na política, era generalizada a noção de que os imigrantes só permaneceriam por período limitado. Desta forma, sua integração foi deixada ao acaso, em vez de ser empreendida de forma sistemática. Isso é particularmente sentido pelos filhos da primeira geração de imigrantes, nascidos na Itália.
Ramat e Joy, de 13 anos de idade, são filhas de refugiados nigerianos que chegaram de barco à Itália. Elas pretendem deixar o país assim que saírem da escola. “Aqui, não temos nenhum futuro”, diz Ramat. Segundo ela, os postos de trabalho não bastam nem para os italianos, e quem tem pele escura sofre desvantagem na procura de emprego.
Vontade de retornar ao país de origem de seus pais, elas não têm nenhuma. Para as duas meninas, Londres é o destino ideal. Lá elas pretendem frequentar a universidade, trabalhar, casar e criar seus filhos. “A Itália foi um erro dos nossos pais que não vamos repetir”, é a sua conclusão.
Fonte: DW