A violência entre grupos religiosos na República Centro-Africana atingiu um novo extremo neste final de semana, com relatos de canibalismo na capital do país, Bangui.
Em uma das ruas da cidade, o intenso trânsito de ônibus e a poeira ainda não conseguiram apagar uma mancha de sangue. Há alguns dias aqui, um muçulmano foi morto por cristãos, e seus braços e pernas foram arrancados.
Em seguida, um dos homens na multidão começou a comer a carne da vítima.
A equipe da reportagem filmava perto dali. Alguns instantes depois, o repórter foi abordado por um jovem de camisa amarela e armado com um facão, que se identificou como sendo o canibal.
Câmeras de celular haviam registrado o crime. As imagem mostram um corpo queimado e estraçalhado sendo arrastado pelas ruas por uma multidão. No vídeo, o jovem que conversou com a BBC aparece mordendo a perna do cadáver.
A República Centro-Africana vive dias de intensa violência entre milícias cristãs e muçulmanas. O país de maioria cristã era governado por um presidente muçulmano até a semana passada. Michel Djotodia havia chegado ao poder em março de 2013 com ajuda de milícias.
Ele prometeu desmantelar as gangues que o ajudaram, mas não conseguiu. Em reação, cristãos montaram milícias próprias, e o país se afundou em um conflito religioso armado.
Mais de 1.000 pessoas já morreram e estima-se que 20% da população total do país abandonou suas casas e vive refugiada.
Grávida e bebê mortos
O homem que admitiu o ato de canibalismo é apelidado de “Cachorro Louco”.
Ele disse que muçulmanos haviam assassinado muitos familiares seus, incluindo sua esposa — que estava grávida — sua cunhada e sua sobrinha, que ainda era bebê.
“Eles derrubaram a porta da casa da minha cunhada e a encontraram com o bebê”, diz ele.
— Eles cortaram seus seios. Eles também mataram a bebê com uma faca. Era uma bebê muito nova, mas eles a cortaram ao meio. Eu jurei que me vingaria.
Não está claro se a vítima de “Cachorro Louco” tinha algum envolvimento em algum episódio de violência, ou se ele foi morto apenas por ser muçulmano.
“Cachorro Louco” contou à BBC que viu a vítima sentada no ônibus e decidiu segui-lo. Ele também reuniu outros cristãos que passaram a seguir o ônibus.
O veículo foi parado pela multidão que se formava, e o motorista identificou o homem perseguido como sendo muçulmano. Ele foi arrastado para fora do ônibus e assassinado.
— Eu o esfaqueei na cabeça. Eu derramei gasolina nele. Eu o queimei. Então eu comi sua perna, tudinho até chegar ao osso, com pão. É por isso que me chamam de “Cachorro Louco”.
A parte mais perturbadora do vídeo é quando “Cachorro Louco” aparece sorrindo enquanto mastiga.
Quando perguntado pela BBC sobre o motivo da violência e do canibalismo, ele respondeu:
— ‘Porque estou furioso.
Uma das testemunhas de todo o episódio, Ghislein Nzoto, disse que ninguém tentou impedir a violência.
— Todos estão furiosos com os muçulmanos. De jeito nenhum alguém teria coragem de intervir.
Nzoto disse entender o motivo pelo qual os muçulmanos estão sendo perseguidos por cristãos, mas afirmou que não concorda com o ato de canibalismo. Ele acha que talvez isso possa ser só um ato isolado de alguém com distúrbios mentais.
A testemunha também levanta outra hipótese: a de um ato de magia negra. Muitos dos combatentes cristãos usam amuletos que contêm pedaços de carne das vítimas que eles assassinaram.
Enquanto “Cachorro Louco” conversava com a BBC, muitos cristãos ao seu redor balançavam suas cabeças, em sinal de apoio, e davam tapinhas nas suas costas. Ali, ele é tratado como um herói por seu ato de canibalismo.
Fonte: R7