Convite da ONU ao Irão leva oposição síria a ameaçar sair das negociações de paz

segunda-feira, janeiro 20, 2014

 Na sexta-feira, em Genebra, deverão começar as discussões entre o Governo de Bashar al-Assad e a oposição

Foto: George Ourfalian, Reuters

Ao convidar o Irão para as conversações sobre um processo de paz na Síria que terão início esta semana na Suíça, o secretário-geral das Nações Unidas abriu uma porta de saída à principal aliança da oposição ao regime de Bashar al-Assad. O Conselho Nacional Sírio promete retirar-se da mesa das negociações, caso o convite à diplomacia iraniana não seja revogado. Ban Ki-moon garante, por sua vez, ter recebido a garantia de que Teerão terá um papel “positivo e construtivo”.

Se o secretário-geral da ONU não voltar atrás, até às 19h00 desta segunda-feira, no convite ao Irão para as negociações de paz em solo suíço, a principal coligação oposicionista síria não fará parte da equação. É esta a resposta do Conselho Nacional Sírio à iniciativa de Ban Ki-moon. Uma posição assumida na última noite pelo porta-voz da estrutura, Louay Safi, através da rede social Twitter. E posteriormente acentuada, em declarações à Reuters, por Anas Abdah, do comité político da aliança.

O secretário-geral das Nações Unidas saíra a público no domingo para adiantar ter ouvido do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, a promessa de um papel “positivo e construtivo” da delegação de Teerão nas conversações preliminares da próxima quarta-feira em Montreaux.

“Tal como tenho dito repetidamente, acredito fortemente que o Irão precisa de ser parte da solução para a crise síria. Deixem-me ser claro: Montreaux não é o local das negociações. As próprias partes sírias vão começar esse processo em Genebra a 24 de janeiro”, enfatizou Ban Ki-moon.

“O ministro Zarif e eu próprio concordamos que o objetivo das negociações é estabelecer, por consenso mútuo, um governo de transição que disponha da plenitude do poder executivo”, reforçou o secretário-geral da ONU, acrescentando tratar-se de um processo alargado: Austrália, Bahrein, Bélgica, Grécia, Luxemburgo, México, Coreia do Sul, Holanda e o Vaticano foram também convidados.

A diplomacia iraniana anunciaria, pouco depois destas declarações, que estaria presente em Montreaux.

A reserva de um lugar para o Irão à mesa das negociações tem vindo a ser defendida quer pela ONU, quer pela Rússia, promotora, a par dos Estados Unidos, da iniciativa diplomática desta semana. Todavia, Washington tem manifestado vincadas reservas, invocando o facto de o Governo iraniano não ter apoiado a declaração de Genebra de 30 de junho 2012, a advogar um governo de transição na Síria.
Todos contra todos

Num comunicado entretanto difundido, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki, tratou de sublinhar que Washington considera que o convite de Ban Ki-moon deve estar “condicionado ao apoio público e explícito do Irão à total implementação da declaração de Genebra, incluindo o estabelecimento de um governo de transição por mútuo consenso, com autoridades totalmente executivas”.

“Isto é algo que o Irão nunca fez publicamente e que há muito temos dito ser exigido. Também continuamos profundamente preocupados com as contribuições do Irão para a brutal campanha do regime contra o seu próprio povo, o que tem contribuído para o crescimento do extremismo e da instabilidade na região”, acentuou o gabinete de John Kerry, para deixar claro que, “se o Irão não aceitar total e publicamente a declaração de Genebra, o convite deve ser rescindido”.

Foi somente há dois dias que o Conselho Nacional Sírio aceitou participar nas conversações da Suíça. O líder da coligação oposicionista afirmava no sábado que essa participação teria lugar “sem regatear os princípios da revolução”.

“A mesa das negociações é para nós um caminho para alcançar as exigências da revolução. À cabeça, remover o carniceiro do poder”, frisou Ahmad Jarba, que acusou ainda o regime de Bashar al-Assad de exercer “terrorismo de Estado” e de ser responsável pela presença, em território sírio, dos combatentes do autoproclamado Estado Islâmico no Iraque e no Levante, conotado com a Al Qaeda.

A guerra é agora travada não só entre rebeldes e forças leais ao regime, mas entre o próprio Exército Livre, o braço armado da oposição, e os combatentes extremistas. Cujo líder, Abu Bakr al-Baghdadi, fez mesmo publicar uma mensagem de áudio a apelar a uma “concentração” de esforços no combate a Assad.
A agenda de Assad

Influenciado pela Rússia, o regime desdobrou-se na passada sexta-feira em concessões humanitárias, avançando com as propostas de uma “troca de prisioneiros” e de um cessar-fogo em Alepo, a região do norte da Síria mais martirizada pelos combates. Permitiu ainda a entrada de alimentos e a evacuação de civis no campo de refugiados de Yarmuk, na capital, sitiado há vários meses.

Mas a cúpula de Damasco também tem feito saber, em repetidas ocasiões, que não tencionar “entregar o poder a quem quer que seja” nas negociações de Genebra II.

Em entrevista à agência France Presse, publicada esta segunda-feira, o Presidente sírio voltou a negar que as suas tropas tenham perpetrado “algum massacre” e a acusar os rebeldes de perpetrarem morticínios de civis “por todo o lado”. Quanto a Genebra II, Bashar al-Assad propugnou que a conferência deve concentrar-se em “alcançar resultados claros na luta contra o terrorismo”. Porque “qualquer resultado político que não inclua a luta contra o terrorismo não terá qualquer valor”.

Fonte: RTP


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