Nascido no Saara e naturalizado espanhol, Mohamed Elbendir se especializou em corridas de fundo (Rafael Duque/ Opera Mundi)
Quase todos os dias a mesma cena se repete. Aproximadamente às 17 horas, um rapaz alto e magro, de feições árabes, chega a uma das ruas comerciais mais movimentadas do centro de Madri com uma prancheta debaixo do braço e um cartaz em uma das mãos. Cuidadosamente, ele ajeita o pedaço de cartolina no chão, puxa uma caneta do bolso e começa a pedir assinaturas num abaixo-assinado, cobrando o pagamento de uma dívida. Poucas pessoas prestam atenção ao jovem de 25 anos. Os poucos que leem o cartaz param e, depois de alguns minutos, começam a perguntar se o que leem é verdade e como o rapaz chegou até ali.
Mohamed Elbendir nasceu no deserto, mais precisamente, em um campo de refugiados no Saara Ocidental, região que atualmente pertence em sua maioria ao Marrocos. Em 1997, quando tinha oito anos, Elbendir viajou à Espanha em um intercâmbio financiado por uma ONG. Durante sua estada no país ibérico, ele foi diagnosticado com uma doença e teve que passar por uma cirurgia. Devido a este problema, a temporada fora de casa ampliou-se. Os dois meses de viagem transformaram-se em pelo menos seis.
“Eu tinha que passar por exames depois da cirurgia e na nova data de regresso, eu perderia o começo das aulas no Saara, onde morava. Então, as duas famílias, a de lá e a de acolhida, decidiram que eu deveria ficar na Espanha e ver como eu me adaptava ao colégio, ao idioma e a todo o resto”, lembra.
O garoto, que tinha perdido o pai aos quatro anos de idade, adaptou-se rapidamente ao estilo de vida espanhol. “Em três meses eu já entendia o idioma e começava a escrever minhas primeiras frases”, conta empolgado. Elbendir começou, então, a morar em Valladolid, cidade a cerca de 200 quilômetros de Madri.
Dos gramados às pistas
A prática esportiva era parte da nova vida familiar do jovem refugiado: “Toda a minha família de acolhida praticava esportes, por isso comecei a jogar futebol”, explica Elbendir. Entretanto, um problema com o ônibus que levava o garoto ao clube onde treinava levou-o para outra modalidade.
“Meu irmão participava em uma equipe de atletismo e eu pensei: por que não tentar? E a verdade é que desde o momento em que comecei a correr, eu adorei. Troquei as chuteiras pela corrida aos 13 anos”, lembra. Com poucos meses de treinamento, Elbendir foi campeão espanhol em sua categoria, fato que o motivou a seguir treinando e a sonhar com objetivos mais difíceis.
Com o passar do tempo, e dos treinos, o garoto que nasceu no Saara naturalizou-se espanhol, profissionalizou-se e se especializou nas corridas de fundo, principalmente de 5.000 e 10.000 metros. Com a dedicação vieram as conquistas e com elas os patrocínios. Em 2009, Elbendir viajou à Lituânia para competir no campeonato europeu sub-23. Vigiado de perto por sua família, que acompanhava a competição via internet na Mauritânia, o atleta sagrou-se campeão europeu nos 5.000 metros.
“Você luta toda uma vida… Imagina desde pequeno que vai conseguir algo e quando chega você não acredita. Foi uma sensação incrível, como se todo o trabalho, tudo o que você fez valesse a pena. Cruzar a linha de chegada e sentir-se campeão da Europa foi uma sensação incrível, maravilhosa”, lembra Elbendir.
Do pódio à rua
Entretanto, a conquista do campeonato não rendeu ao jovem o que ele esperava. O clube ao qual pertencia não pagou os prêmios pelas conquistas de Elbendir e deixou de pagar seu salário durante o último ano de contrato. ”Eles me pagaram apenas a primeira parte do contrato de 2009. Faltavam os prêmios de campeão europeu de 2009, de campeão espanhol e toda a temporada de 2010. Diziam que eu tinha que esperar, que esperar”.
Cansado de esperar, Elbendir resolveu falar sobre o caso à imprensa. Por causa da denúncia, o clube mudou o discurso e afirmou ao ex-refugiado que já não pagaria o dinheiro devido e que ele não teria como provar. “No mundo do atletismo é muito difícil ter um contrato assinado, poucos atletas conseguem um contrato profissional”, lamenta o corredor.
O fim do acordo levou Elbendir a treinar em outros clubes de maneira amadora, sem nenhum acordo formal. Sem outra fonte de renda, ele não pôde mais pagar seu aluguel e decidiu acampar na frente da prefeitura que patrocinava o clube devedor.
“Há cinco meses me revezo entre a praça da prefeitura de Alcobendas e o centro de Madri. Venho muito aqui porque posso pedir mais assinaturas para o meu abaixo-assinado e porque me deixam treinar no centro de alto rendimento”, explica o atleta.
[Fotos mostram passado vitorioso, quando o atleta sagrou-se campeão europeu nos 5.000 metros]
Apesar de seguir treinando, o corredor não consegue competir com tanta frequência. Nos últimos dois anos o atleta sofreu diversas lesões que o afastaram das pistas. Enquanto se recupera, Elbendir espera a abertura do seu processo contra o clube e sonha em voltar ao nível de 2009.
“Eu dei a eles os melhores anos da minha vida, mas sei que tenho 25 anos e ainda tenho muito a contribuir com minha carreira esportiva. Meu maior objetivo, meu sonho, é estar no Rio de Janeiro em 2016. Este é meu sonho e por ele vou lutar”, afirma o espanhol.
Fonte: Opera Mundi
