O aeroporto de Bangui se transformou, nas últimas semanas, em um imenso campo para atender as famílias que fogem de um dos piores conflitos atualmente na África. A República Centro-Africana enfrenta instabilidade e violência desde março, quando rebeldes tiraram o presidente do poder. Mas a situação piorou em dezembro, com confrontos que resultaram na morte de mais de mil pessoas.
Em dezembro, as Nações Unidas autorizaram uma operação militar da França para estabilizar o país. Manter o controle do aeroporto foi um dos primeiros objetivos das tropas francesas. Os franceses transformaram o aeroporto em base de operações, para assegurar a principal porta de entrada e saída no país. Logo as famílias que foram forçadas a deixar suas casas por causa da guerra passaram a ver os arredores do aeroporto como um local seguro. Em pouco tempo, a população deslocada cresceu. As famílias passaram a superlotar o local. O arame farpado que isolava áreas do aeroporto foi destruído e cabanas foram improvisadas dentro do prédio, em áreas do estacionamento e nos arredores. Atualmente, a ONU estima que há cerca de cem mil pessoas morando no local, o que transformou o aeroporto em um gigantesco campo de refugiados improvisado.
A República Centro-Africana já era um país instável, onde o poder central não tinha condições de controlar todo o território. Apesar de ser rica em ouro e diamante, a pobreza é a norma no país. A situação, que já era difícil, saiu do controle em março de 2013. Após o fracasso de uma negociação de paz entre o governo e o grupo de rebeldes Seleka (Aliança, na língua local), de maioria muçulmana, os rebeldes sitiaram a capital, Bangui, e derrubaram o governo do presidente François Bozize. Bozize buscou exílio na França, enquanto o líder dos Seleka, Michel Djotodia, declarou-se o novo presidente e suspendeu a Constituição e o Parlamento.
No poder desde então, Djotodia se mostrou incapaz de manter o controle sobre os rebeldes, que saquearam casas e comércios e ignoraram a ordem do presidente para retornar aos quartéis. No final de 2013, um grupo se uniu para tentar derrubar Djotodia e recolocar Bozize no poder. De maioria cristã, essa milícia passou a se chamar Anti-Balaka (Anti-Machete, na língua local. O machete é uma arma associada aos Seleka). Os cristãos incendiaram mesquitas e perseguiram famílias muçulmanas, acusadas de apoiar os Seleka. Segundo as Nações Unidas, os dois grupos são responsáveis por crimes contra a humanidade, como linchamentos e tortura. Após a morte de centenas de pessoas em confrontos entre os dois grupos, o Conselho de Segurança da ONU aprovou um plano de intervenção, e a França enviou cerca de 1.600 soldados com o objetivo de desarmar as duas milícias.
Se a operação francesa no Mali foi bem sucedida e contou com o apoio da população, o mesmo não se pode dizer da República Centro-Africana. Os franceses enfrentam dificuldades em desarmar as milícias, e o número de vítimas e de refugiados só cresce. Segundo a Acnur, a agência da ONU para refugiados, o número de deslocados internos já passa de 935 mil pessoas, e cerca de 240 mil buscaram refúgio em outros países, principalmente na República Democrática do Congo, Chade e Camarões. O Aeroporto Internacional de Bangui é um dos campos de deslocados que mais cresce: a população buscando abrigo no local dobrou desde o início do ano.
Atender essa população é um desafio. Em várias ocasiões, funcionários da ONU tentaram distribuir alimentos para a população, sem sucesso. Jovens armados tentavam rapidamente cercar e se apropriar dos mantimentos, possivelmente para levá-los a um dos grupos em conflito. Uma das ONGs que atuam no país, os Médicos Sem Fronteira, anunciou que estava reduzindo a sua equipe no acampamento após uma troca de tiros matar duas crianças e ferir 40 pessoas, e que se concentrariam no atendimento nos hospitais. No começo da semana, com a ajuda de líderes religiosos, a Acnur conseguiu distribuir mantimentos para cerca de 20 mil pessoas, e espera conseguir atender toda a população do aeroporto em cerca de um mês. A ajuda é um alívio para a população de Bangui, mas ainda está longe de resolver o problema no país. Segundo o governo francês, a República Centro-Africana está “à beira do genocídio”.
Fonte: Epoca