O Sudão do Sul e suas intermináveis guerras civis

segunda-feira, janeiro 6, 2014

Salva Kiir, presidente | IKMR

Presidente sul-sudanês, Salva Kiir, durante uma conferência em Juba, onde ele fala sobre estar pronto para negociações com rival. Foto: GORAN TOMASEVIC/REUTERS

Com pouco mais de dois anos de existência, o Sudão do Sul já sofre de alguns dos “males” que imperam no continente há décadas: traições, golpes de Estado, tensão étnica e a iminência de uma guerra civil.

Em meados de dezembro passado, o mundo ouviu Salva Kiir, o presidente do país mais jovem do mundo, dizer que golpistas tentaram tomar o poder e assumir o governo, mas falharam. O golpe de Estado, segundo o presidente , teria sido articulado pelo seu antigo vice, Riek Machar, no que seria uma continuidade da tensão política que o país africano vive há meses, desde quando o presidente dispensou  todo o seu gabinete, incluindo Machar, como uma manobra para expurgar seus rivais políticos. Agora, semanas depois, o Sudão do Sul se encontra em uma posição na qual pode reviver mais um conflito sangrento após sua independência do Sudão – em julho de 2011 – naquela que foi a mais longa guerra civil da África.

Velhos inimigos, novos aliados… e vice-versa

Lembrando uma das mais velhas máximas da polític, na qual os aliados de hoje podem ser os inimigos de amanhã, os principais personagens do cenário do Sudão do Sul traduzem quase que ao pé da letra tal frase. O presidente Kiir e seu ex-vice Machar lutaram lado a lado por anos contra o governo do Sudão, comandado por Omar Hassan al-Bashir. Hoje, Machar é o inimigo do povo sul-sudanês e ele, al-Bashir, é o maior interessado na paz do país vizinho. Não exatamente por motivos humanistas – visto o histórico  de al-Bashir – e sim pelo temor que o conflito interrompa o fluxo do petróleo que corre do Sudão do Sul para as refinarias ao norte, no Sudão.

Nessa segunda-feira, Omar al-Bashir desembarcou  em Juba, capital do Sudão do Sul, para discutir a crise e retomar as recentes conversações de paz que falharam, intermediadas pelo primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn. Os presidentes Uhuru Kenyatta e Yoweri Museveni, respectivamente do Quênia e de Uganda, já haviam visitado a capital com o objetivo de trabalhar para o fim dos confrontos. Tal envolvimento deixa claro que os problemas internos do país viraram prioridade na agenda regional.

Outro temor a respeito do conflito no Sudão do Sul é que ele saia da esfera política e reflita na divisão étnica  do país: o presidente Salva Kiir é da tribo dominante Dinka, enquanto Riek Machar é da tribo Nuer e, além dessas duas, existem pelo menos mais 60 etnias diferentes. A divisão interna sul-sudanesa sempre existiu, sendo inclusive uma das grandes fraquezas exploradas  por Cartum, durante a longa guerra no Sudão, entre norte e sul.

A questão dos refugiados

Os números exatos como sempre são difíceis de quantificar, mas é seguro dizer que existam entre 170 a 200 mil deslocados internos e refugiados já em outros países, entre Quênia, Etiópia e até mesmo no Sudão.

“Isso é política entre duas pessoas fazendo com que milhares de pessoas morram”, disse Simon Monyluk, de 21 anos, que perdeu o pai na guerra civil contra o norte, apenas para ver a violência renascer dentro das fronteiras do sul, enquanto tenta cuidar de cinco irmãos em um campo de refugiados da ONU, na cidade da Malakal.

Enquanto os refugiados em Malakal estão vivendo sem comida ou água, em meio a uma iminente epidemia de cólera, pelo menos 70 mil pessoas tiveram de fugir das regiões ao redor da cidade de Bor, no Alto Nilo. “Até onde sabemos, é a maior população desabrigada do Sudão do Sul”, disse David Nash, chefe da missão dos Médicos sem Fronteiras no país.

Visto como uma das mais importantes cidades do país – o Alto Nilo é o estado com maior produção de petróleo e está no caminho para a capital – a batalha pelo controle de Bor, fez com que milhares de pessoas abandonassem suas casas para se refugiar no mato ou nas margens do Nilo Branco. “Por enquanto, a maior proporção é de mulheres e crianças, então estas são as mais vulneráveis”, completa Nash.


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