Em uma sala de aula no centro de São Paulo, jovens assistem curiosos a uma professora que mostra uma apostila e avisa: “Não temos muita explicação de gramática. Eles vão aprender nossa língua pela repetição.” A cena é parte do treinamento para voluntários dispostos a ajudar refugiados recém chegados no Brasil a aprender português.
o fim do ano passado, os voluntários passaram a atuar também numa mesquita do Pari, onde dão aulas para sírios que chegam fugindo da guerra civil instalada em seu país. Nesse caso, a apostila com vocabulário foi traduzida para o árabe. “Mas dentro da sala de aula, desde o começo tentamos usar apenas o português”, diz a professora Ana Cláudia Madaleno.
Na aula do último sábado (18), em um espaço de um cursinho popular, um dos alunos era Khaled, de 41 anos. Na Síria, ele era chefe de cozinha especialista em comida mediterrânea. No Brasil, tem pressa para aprender a se comunicar na língua e conseguir um emprego que o possibilite juntar dinheiro para abrir o próprio negócio. Ele chegou sozinho há dois meses e não pretende voltar para terra natal. “Vou morar no Brasil o quanto puder. Gosto daqui.”
Ao lado dele, na sala de aula, estava Daddy, de 38 anos. No Brasil desde maio do ano passado, ele era ativista no Congo e chegou a ficar dois meses preso. Chegou ao Brasil com a esposa grávida e com a filha que hoje está com quatro anos. É a mais fluente na língua. “Como ela frequenta a creche, está aprendendo muito rápido. Para acelerar o nosso aprendizado, tentamos falar em português em casa”, conta.
Daddy é graduado em Gestão de Computadores, tem pós-graduação em Ciências da Computação e fala francês, inglês e árabe. Aqui no Brasil já fez até um curso de Eletricidade no Senai, mas ainda não conseguiu um trabalho por falta de fluência no português.
O curso no centro e na mesquita do Pari é ministrado por voluntários do Instituto de Reintegração do Refugiado – Brasil (Adus), treinados pela rede de ensino de idiomas Wizard. No primeiro dia de aula, explica a professora Ana Cláudia, os alunos ganham uma apostila com vocabulário traduzido normalmente para o inglês e francês.
Mestres voluntários
No começo, os voluntários farão parte do grupo de apoio. Ou seja, ajudarão os professores a dar aula as, auxiliando com os exercícios. Em sua maioria, os voluntários não são professores ou têm experiência em ensinar.
É o caso da paisagista Tuni Duailibi, 63 anos, que conheceu o trabalho e resolveu participar. “Fiquei tocada com o trabalho. Tenho sentido que está vindo mais refugiados e é uma área que tem me sensibilizado. Eles precisam de ajuda”, conta.
Aumento na procura
A procura por aulas de português por parte dos refugiados motivou também a criação do curso para solicitantes de refúgio e refugiados do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros (NEPPE), na Universidade de Brasília (UnB). No semestre passado, foram 15 alunos, de nacionalidades como Iraque, Haiti e Bangladesh.
A metodologia deles prioriza a comunicação oral e as necessidades práticas desse público, como saber montar o currículo e o que falar em uma entrevista de emprego. É o que explica Giuliano Pereira de Oliveira Castro, mestre em Linguística Aplicada pela UnB e professor do núcleo.
A gramática, como no primeiro caso, vai sendo incluída dentro do contexto das aulas “Ela é sempre um pano de fundo”, diz.
Alguns deles já chegam sabendo um pouco de português. Para aqueles com mais dificuldades, é dado um acompanhamento extra. “Mas os próprios alunos se ajudam na sala de aula. No semestre passado nós tivemos dois iraquianos. Um deles, que era barbeira, já falava um pouco de português. O colega, porém, não falava nada. Eles acabavam se ajudando”, conta.
Dificuldades
Segundo Oliveira Castro, uma das maiores dificuldade no aprendizado não é necessariamente linguística, mas sim social. “Alguns deles vem por uma situação de catástrofe natural, então o que lhes for dado eles vão fazer com muita alegria. Mas alguns tinham uma posição muito boa no país deles, e agora vão ser trabalhadores na construção civil, por exemplo. Isso gera muita frustração”, conta.
Refugiados no País
De acordo com dados divulgados no último ano do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o Brasil possuia, até 2012, 4.689 refugiados reconhecidos de 79 nacionalidades distintas. Desses, 36% deles são mulheres.
No período, a maioria dos grupos era da Angola, Colômbia, República Democrática do Congo e Iraque. O número total de pedidos de refúgio mais que triplicou de 2010 até dezembro de 2012 (de 566 para 2.008). A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, América do Sul e Ásia.
Fonte: Ultimo Segundo