Tariq Saleh
De Beirute, Líbano, para a BBC Brasil
Antes considerados seguros pela presença do grupo militante xiita Hezbollah, os subúrbios ao sul de Beirute, capital do Libano, passaram a sofrer com vários atentados à bomba nos últimos meses, em retaliação ao apoio do grupo terrorista ao governo sírio. Esses ataques tem levando famílias a procurar novos lares em outros bairros, cada vez mais valorizados.
Além de receber um grande fluxo de refugiados, o Líbano se tornou extremamente polarizado com a guerra civil na Síria. Libaneses sunitas apoiam em geral os rebeldes sírios e a comunidade xiita, liderada pelo Hezbollah, apoia o regime do presidente Bashar al-Assad em Damasco.
Mas as consequências do conflito na Síria tomaram maiores proporções com o envolvimento do Hezbollah na guerra vizinha – o grupo enviou tropas para lutar ao lado do regime sírio. Desde então, redutos do grupo xiita em cidades libanesas passaram a ser alvos de atentados. Grupos extremistas sunitas, como as Brigadas Abdullah Azzam, filiadas à Al Qaeda, assumiram a autoria dos atentados no Líbano, exigindo a retirada do Hezbollah do território sírio.
Após 20 anos em Dahiyeh, bairro de maioria xiita ao sul de Beirute, o comerciante Ali K., 47 anos, tomou a difícil decisão de abandonar a região e buscar uma nova casa em outra área pelo medo das recentes explosões em bairros controlados pelo Hezbollah.
“Deixarei muitos amigos e parentes aqui, é um bairro que sempre gostei e onde me sentia seguro. Mas não posso mais arriscar a vida de minha família”, disse Ali, sentado ao lado da esposa e três filhos. Ele pediu para que seu sobrenome fosse omitido por medo de represálias.
“Algumas pessoas podem interpretar nossa mudança como fraqueza e falta de apoio ao Hezbollah”, disse.
O último atentado, no bairro de Bir Hassan, em frente ao centro cultural da embaixada do Irã, deixou dez mortos e dezenas de feridos após dois homens-bomba detonarem explosivos em um carro e uma motocicleta.
“Escutei a explosão daqui, já que Bir Hassan não fica longe. No mesmo dia disse à minha esposa que havia chegado a hora de nos mudarmos e que começaria a procurar outra casa em um bairro mais seguro”, explicou.
Dono de uma loja em Dahiyeh, Ali contou que pretende continuar com seu negócio no subúrbio sul da capital. “Quero continuar perto de alguns parentes e amigos, mas quero minha família longe daqui”, salientou.
Para muitos xiitas libaneses, os subúrbios sul se tornaram um reduto não apenas do Hezbollah, mas também um símbolo da presença da comunidade xiita. O distrito de Dahiyeh, um aglomerado de bairros como Haret Hreik, Bir Hassan e Chiyah, também possue populações menores de cristãos e sunitas, e foi constantemente bombardeada por Israel durante a guerra com o Hezbollah, em 2006.
“Tirando a guerra de 2006, sempre foi um lugar tranquilo e seguro. Mas agora, a situação está insustentável. Todo dia rezamos para que nenhuma explosão ocorra e nossos filhos voltem com vida da escola”, disse Ali.
Apoio
Quem passa por Dahiyeh nota a presença de faixas em apoio ao Hezbollah e em desafio aos grupos “terroristas”, mas por trás disso, há outra realidade.
O advogado Hussein A. B., 28, explicou que conhece várias famílias que já mudaram para bairros com “menor possibilidade de serem alvos de bombas”.
“Eu tenho meu escritório de advocacia aqui em Dahiyeh, mas minha família me pediu que me mudasse também. Então já procuro um pequeno apartamento em Beirute, mesmo que eu ache que toda a cidade é um alvo”, contou.
Segundo ele, o apoio ao Hezbollah não diminuiu entre os xiitas em Dahiyeh, mas muitas pessoas já não se sentem mais protegidas pelo que consideram o grupo mais poderoso no cenário político e militar do Líbano. “Há pessoas que se recusam a deixar Dahiyeh como forma de apoiar o Hezbollah e sua política em relação à Síria”.
“É uma situação estranha para nós. Por um lado somos apoiadores do Hezbollah, mas ao mesmo tempo sentimos menos confiança na capacidade do grupo em nos proteger”, enfatizou Hussein.
Nova casa
O funcionário público Mohamed N., 36, e sua esposa Fatima, 28, mudaram de Dahiyeh para o bairro cristão de Ain Roumaniyeh há dois meses, após dois atentados em sequência em Haret Hreik, próximo à sua antiga casa.
“Apenas mudamos para um bairro que não é muito longe de Dahiyeh, mas por ser cristão é fora do alvo dos terroristas”, disse Fatima.
Mohamed disse que a decisão de partir levou em conta também o apego sentimental ao bairro onde nasceu e viveu toda a sua vida. “Senti uma tristeza muito grande, mas é visível o semblante de preocupação entre os moradores de Dahiyeh. As coisas não são mais como antes, ninguém sabe mais se volta vivo para casa a cada dia que passa”.
“Um amigo cristão me falou de um apartamento em seu bairro que estava disponível para aluguel, então falei com minha esposa e decidimos que era a hora de sairmos”, completou Mohamed.
Mas se o casal não teve dificuldades em encontrar uma nova casa, para outras famílias em Dahiyeh a realidade é mais difícil, muitas vezes por motivos financeiros.
Hassan F., 42, contou à BBC Brasil que tenta achar uma casa fora de Dahiyeh há três meses, mas que os altos preços dos aluguéis o desestimularam.
“Em Dahiyeh, temos casa própria, mas mesmo os aluguéis são muito mais baratos do que em bairros dentro de Beirute. Os preços são muito altos, acima do que eu posso pagar”, disse ele.
O corretor de imóveis, Majed al-Husseini, 37, explicou que apartamentos em Beirute sempre foram mais caros que os de Dahiyeh, mas que nos últimos dois anos os aluguéis aumentaram consideravelmente em função da grande procura por famílias sírias.
“Há sírios de classe média e alta que fogem da guerra em seu país e buscam apartamentos em Beirute. Isso fez com que os preços aumentassem acima da média, fora dos padrões de muitos libaneses”, explicou al-Husseini.
No entanto, para muitas famílias, esse é um preço a pagar para escapar do risco de morte com os atentados à bomba em Dahiyeh.
“Nós pagamos um aluguel um pouco acima do que o apartamento realmente vale. Mas nossas vidas valem muito mais. Quero ter a certeza de que meu marido volte de seu trabalho vivo ao final de cada dia”, salientou Fatima.
Fonte: BBC Brasil