SOFIA LORENA
Entre os milhões de sírios afectados pela guerra, muitos são estudantes que tiveram de interromper os estudos. Alguns preparam-se para começar de novo em universidades portuguesas.
Já faltavam poucas horas para a partida e o número definitivo ainda não estava fechado. Vida de sírio e de refugiado nem sempre combina com planos e certezas. Começaram por estar previstos 80 e é certo que mais de 50 sírios saem esta sexta-feira de Beirute e aterram sábado em Lisboa, a tempo de frequentarem o segundo semestre deste ano lectivo em diferentes universidades portuguesas.
“Não paro de receber chamadas de pais, de mães, de irmãos”, desabava ao final do dia de quinta-feira Helena Barroco, assessora de Jorge Sampaio. “Alguns pedem mais um dia para decidir, mas não pode ser.” Por mais que se tenha vontade de ver os filhos continuar os estudos, deixá-los partir para longe não pode ser simples.
O C-130 da Força Aérea portuguesa estava a caminho. “Ou é agora ou não é”, às vezes é mesmo assim. Com mais de 50 alunos confirmados, Helena Barroco estimava que acabassem por voar para Lisboa 60 a 65 jovens.
A Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes foi lançada no Verão passado pelo ex-Presidente português. O programa é para continuar e há mais países a caminho de se juntarem; para já, para além de Portugal, as bolsas beneficiam candidatos a estudar no Líbano, na Turquia e no Curdistão iraquiano.
Até Setembro, enquanto decorreu o período de candidaturas, chegaram 2500 propostas. “Depois do prazo fechar recebemos tantas candidaturas como antes”, conta Helena Barroco, ao telefone a partir da capital libanesa. Claro que já não puderam ser tidas em conta. Entre quarta e quinta-feira, em Beirute, ainda apareceram candidaturas espontâneas. “Houve gente que ouviu falar do programa e pensou, já que estão aqui…”
Os primeiros protestos pacíficos contra o regime aconteceram em Março de 2011. O Presidente Bashar al-Assad decidiu esmagar a revolta. Entretanto, a revolução tornou-se armada, grupos de radicais estrangeiros acorreram à Síria e a situação nunca parou de piorar. As Nações Unidas pararam de contar os mortos quando eram 100 mil, explicando não ter condições de segurança para confirmar mais vítimas. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, ONG que conta com uma rede de activistas e médicos espalhada pela Síria, diz que já morreram mais de 140 mil pessoas.
A ONU calcula que 9 milhões de sírios tenham sido obrigados a deixar as suas casas. Um terço destes terá passado a fronteira, os outros estão deslocados dentro do seu país. A maioria são crianças e jovens: mais de metade da população de 22 milhões que a Síria tinha antes da revolução e da guerra tem menos de 24 anos. Mesmo entre os que não tiveram de fugir de casa, muitos foram obrigados a interromper os seus estudos e é a todos estes que se destina esta programa.
Entre as candidaturas, esmagadoramente de rapazes, privilegiaram-se as raparigas e as minorias, como os cristãos e os sírios-palestinianos. Ainda assim, são mais rapazes do que raparigas os que agora vêm a caminho.
Últimas despedidas
Metade destes estudantes ainda vivia na Síria, a outra metade estava espalhada pelos países da região como o Líbano e o Egipto. Duas irmãs vêm do Qatar, uma jovem estava refugiada na Arábia Saudita, um estudante estava a viver na Malásia. Uma das escolhidas já estava bem mais perto, em Espanha, à espera da resposta ao pedido de estatuto de refugiada. A Agência da ONU para os Refugiados, um dos parceiros da iniciativa, está a ajudar mas a burocracia vai atrasar a vinda desta jovem para Portugal – enquanto corre o processo, não pode sair de Espanha.
Todos vão aterrar em Lisboa na madrugada de sábado, mas horas depois, despachadas as formalidades e tomado um bom pequeno-almoço, irão espalhar-se pelo país. Na capital, há várias universidades parceiras, assim como no Porto, mas também haverá alunos nas universidades de Bragança, Covilhã, Guarda, Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém e Évora.
Do Minho, diz Helena Barroco, chegou uma oferta para ajudar a receber o grupo de alunos que para ali irá nos próximos dias. É um dos sete estudantes sírios que já estão inscritos na universidade da região desde o início deste ano lectivo, no âmbito das bolsas do Erasmus Mundus.
Os últimos dias foram de despedidas e de algumas hesitações. “Houve alunos que voltaram a Alepo para se despedir da família”, conta Helena Barroco. Alepo, a grande cidade do Norte da Síria, tem sido alvo de bombardeamentos quase diários nos últimos meses. “Passaram todos por situações muito complicadas, são sobreviventes.” Decidir partir nunca é fácil, mesmo se todos “têm vontade de um recomeço”.
Fonte: Público