Emergência síria: Inocentes sitiados, apanhados pelo fogo cruzado, morrem de fome

segunda-feira, fevereiro 3, 2014

Foto: © UNHCR/AP Nasser Nasser

Uma mulher palestiniana protesta em Ramallah em solidariedade com os seus compatriotas no campo de refugiados de Yarmouk.
Foto: © UNHCR/AP Nasser Nasser

Num dos raros momentos de coordenação entre o governo sírio e os opositores armados, foram evacuadas centenas de pessoas de Yarmouk, subúrbio de Damasco dominado pelos rebeldes. O acesso das organizações de ajuda humanitária a cerca de 250 mil pessoas, apanhadas e retidas pelo fogo cruzado dos combates em toda a Síria, era um dos objetivos das conversações de paz que decorreram na semana passada na Suíça, e que foram interrompidas na sexta-feira, 31 de janeiro, sem resultados substanciais.

Apesar das longas discussões, as partes não chegaram a um acordo para o acesso de uma coluna de ajuda a 2.500 pessoas sitiadas em Homs, a terceira maior cidade da Síria, sem comida e medicamentos. Anwar Raja, porta-voz da Frente Popular de Libertação da Palestina-Comando Geral (PFLP-GC), que funciona em Yarmouk, disse que o grupo tinha coordenado com o Crescente Vermelho árabe sírio, na sexta-feira e no sábado, a retirada de “centenas” de moradores do subúrbio.

As pessoas evacuadas foram transportadas para diversos hospitais administrados pelo governo e para um centro gerido pelo Crescente Vermelho, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, um grupo de monitorização.

É em Yarmouk, que está sitiada quase há um ano, que se situa o maior campo palestiniano da Síria. A maioria da população do campo, que era de 160.000 pessoas, fugiu depois dos confrontos em dezembro de 2012, mas, pelo menos, 18.000 refugiados permaneceram. Sem suprimentos e ajuda médica, os refugiados subsistem com uma dieta de alimentos de origem animal, a água com sal e folhas. As mulheres são frequentemente alvejadas por atiradores quando tentam colher vegetais nas imediações.

“As pessoas estão a comer relva e começaram a alimentar-se com carne de cães e gatos em refeições de rotina”, diz Qais Saed, 26 anos, cuja última refeição foi há três dias e consistiu em água com algumas especiarias. Saed não consegue lembrar-se da última vez em que teve a fome saciada.

As fações palestinianas pró-Assad culpam a presença de 2.500 combatentes rebeldes no campo pela manutenção do cerco. Sheikh Mohamed Abu Khair, o imã da mesquita palestiniana do campo, sancionou a alimentação com gatos, burros e cães numa fatwa em outubro, após quatro pessoas morrerem de desnutrição. O número de mortes subiu agora para pelo menos 50, de acordo com o Grupo de Ação para a Palestina.

Segundo Neil Sammonds, pesquisador da Amnistia Internacional, as mortes por desnutrição ocorrem diariamente.

Uma enfermeira local disse à organização que desde meados de novembro do ano passado, quando as forças do governo assumiram o controlo de uma área perto do campo, vários civis, a maioria mulheres, foram mortos por francoatiradores quando buscavam alimentos nas imediações.

“Todos os dias recebemos em torno de quatro pessoas baleadas por francoatiradores enquanto procuram alimentos. As mulheres afirmam que preferem arriscar a própria vida para poupar os filhos.

“Não há mais pessoas em Yarmouk, apenas esqueletos com pele amarela,” afirmou Umm Hassan, uma residente de 27 anos, mãe de duas crianças, à Associated Press, esta segunda-feira.

Vídeos enviados para o YouTube mostram moradores irritados e desesperados manifestando a sua frustração. “Estamos cansadas, não há comida”, diz uma mulher. Outra segura um saco cheio de folhas, que é o único alimento que possui para alimentar os seus quatro filhos.

“Os residentes no campo de refugiados, incluindo bebés e crianças, sobrevivem por longos períodos apenas com dietas de vegetais não frescos, ervas, pasta de tomate em pó, ração animal e especiarias para cozinha dissolvidas em água”, diz Chris Gunness, porta-voz da agência UNRWA.

As pessoas estão tão desesperadas que algumas já estariam a abandonar membros da família, a fim de poupar recursos. “Um pai jogou a filha bebé na rua”, diz Abu Muhamed que levou a criança para o hospital. ”As pessoas sentem que psicologicamente não podem fazer nada.”

Os relatos de roubos, principalmente de alimentos, são comuns. Os cortes de eletricidade são constantes e há também pouca água e o aquecimento é nulo ou insuficente.

“Os moradores queimam móveis e galhos de árvores nos terraços. A água nas torneiras só está disponível por quatro horas em intervalos de três dias”, diz Gunness.

A falta de energia elétrica no campo também está a afetar o único hospital que ainda está em funcionamento. A ausência de cuidados médicos tem levado à morte de várias mulheres durante o parto.

Como resultado de desnutrição grave, os moradores, especialmente crianças, são agora afetados por doenças como a anemia, raquitismo, e kwashiorkor [a doença de desnutrição relacionada com a deficiência de proteína]. Ao acampamento também não chegam vacinas, principalmente para a poliomielite. Essa doença regressou à Síria depois de ter sido erradicada há mais de uma década.

Um comboio de ajuda da UNRWA transportando 10.000 vacinas contra a poliomielite e comida para 6.000 pessoas foi obrigado a voltar para trás, esta segunda-feira, depois de ser, repetidamente, alvo de tiros. Apesar da área norte ser mais fácil de aceder, dado que é controlada pelo regime, o governo sírio tem retido a permissão, argumentando receio quanto à segurança. Isto obrigou o comboio a utilizar a entrada sul e a passar por cerca de 10 quilómetros de território em disputa.

Os moradores suspeitam que combatentes da oposição encararam a presença de tropas do regime, incluindo um trator a limpar a estrada para o comboio de seis camiões, como uma provocação. Na segunda-feira, o Secretário das Relações Externas do Reino Unido, William Hague, afirmou que a obstrução deliberada de ajuda humanitária destinada ao povo sírio é “totalmente inaceitável”, acrescentando que deve ser levantado o cerco e permitido o acesso das organizações humanitárias. Os ataques contra áreas civis e instalações médicas devem cessar de imediato, tendo que ser garantido o respeito pelo Direito Internacional Humanitário.
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