Sofia Lorena
Cercados há oito meses pelo regime de Bashar al-Assad, os habitantes de Yarmouk, o maior campo de palestinianos na Síria, começaram por fim a receber alguma ajuda.
O chefe da agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) descreve uma cidade-fantasma. Lyse Doucet, jornalista da BBC que o acompanhou numa distribuição de ajuda, diz que “é como se um terramoto tivesse acabado de acontecer”.
Yarmouk, a 20 minutos de carro do centro de Damasco, é um campo do tamanho de uma pequena cidade onde já viveram 180 mil pessoas, a maioria refugiados palestinianos que ali começaram a chegar em 1948. Agora, sobram umas 20 mil, cercadas pelo Exército de Bashar al-Assad desde Julho do ano passado.
Até Janeiro, não entrou nenhuma ajuda. Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, mais de 100 pessoas morreram aqui por falta de comida ou tratamento médico desde Outubro.
Nas últimas semanas, depois de difíceis negociações que envolvem a ONU, o Governo, grupos de rebeldes sírios e várias facções de palestianianos, começou a chegar alguma comida. Até esta quinta-feira, foram 7492 parcelas. “Cada uma alimenta uma família de cinco a oito pessoas durante dez dias”, explica a UNRWA. “Um simples cálculo mostra a cruel realidade”, diz a agência, notando que esta ajuda é “uma gota de água num oceano”.
Uma das imagens divulgadas pela UNRWA também mostra “a cruel realidade”. É uma fila que parece infinita, uma rua de prédios destruídos completamente repleta de gente, à espera para receber alguma comida. Faz parte de uma série a que a agência chamou “Uma manhã em Yarmouk”. Nessa manhã, diz a BBC, a ONU só consegui distribuir 60 parcelas de ajuda.
“A devastação é inacreditável. Não há um único edifício que seja mais do que uma carcaça vazia. Estão todos escurecidos pelo fumo”, disse aos jornalistas Filippo Grandi, chefe da UNRWA, depois da visita.
Mais impressionante do que os prédios, afirma Grandi, são as pessoas que esperam pela ajuda. “São como fantasmas a aparecer. Estas são pessoas que não têm saído dali, que estão encurraladas lá dentro sem comida, medicamentos, água limpa, mas provavelmente também aterrorizadas porque há combates ferozes à volta… Eles quase não conseguem falar. Tentei falar com alguns, só ouvi histórias de privação absoluta.”
Grandi interroga-se sobre os que nem chegam a formar as filas que a fotografia mostra. “Tenho a certeza que há muitas pessoas que não receberam nenhuma ajuda no último mês por estarem demasiado fracas, talvez idosos ou crianças desacompanhadas.”
O ponto de distribuição tem sido um local na terra de ninguém, entre umcheckpoint controlado pelo regime e o interior do campo.
Lyse Doucet, a enviada da BBC, descreve “uma catástrofe humana num conflito onde a comida é uma arma de guerra”. O ano passado, o Governo acusou grupos de rebeldes de estarem a operar a partir do campo. Respondeu com bombardeamentos e com o bloqueio – é a política de “rendam-se ou morram à fome”, diz Doucet, uma política que o regime tem usado noutras zonas da Síria. Os grupos de rebeldes retiram-se entretanto, para permitir a entrada de ajuda.
“Por favor, por favor, levem-nos, estamos a morrer aqui”, ouviu Doucet a Wafiqa, uma mulher de 60 anos que soluçava enquanto tentava alcançar a saída do campo e depois contou à jornalista que tinha comido erva para sobreviver. “Estou tão cansada, tão cansada”, disse outra mulher.
Agora que a comida começou a entrar, muita gente tenta sair. Wafiqa conseguiu fazê-lo no dia da vista de Grandi, “provavelmente através de um familiar com os contactos certos”, mas deixou três filhos no interior. Kiffah, um menino de 13 anos, também se preparava para sair com duas irmãs. “A vida é normal”, começou por garantir a Doucet. Depois, falou em “alguma fome”, e a seguir desatou a chorar. “Não havia pão”, foi tudo o que ainda conseguiu dizer.
Fonte: Público