Foi só quando pela centésima vez que me revirei sem conseguir dormir e me perguntei novamente o que eu estava fazendo ali, em um minúsculo cômodo com as paredes cheias de infiltração, localizada ao lado da estação Brás, dividindo uma cama de casal com dois refugiados da República Democrática do Congo (apenas Congo, a partir de agora) -, Douwe* e Allain* -, que eu finalmente concluí que o único motivo de eu estar ali era porque tinha sido eu quem escolheu estar ali.
Tudo começou em um desses domingos de calor fora do comum que São Paulo estava experimentando há mais de um mês que encontrei com Pierre* – um refugiado congolês vivendo no Brasil há tempo o suficiente para saber quando usar expressões como “ficar ligeiro” e “dar um rolê” -, em uma festa à qual ele me convidou, que aconteceria em Artur Alvim, bairro no extremo leste da cidade. Era ali que eu, como repórter, procuraria algumas pessoas dispostas a conversar comigo e, quem sabe, aceitar minha proposta para passar alguns dias acompanhando suas rotinas.
Pierre é um homem que atua quase como um líder comunitário e tinha o costume de ajudar refugiados do Congo recém-chegados, inclusive cedendo sua casa como moradia temporária. Mesmo com olhar sereno e fala calma, sua figura mostrava autoridade. Quando adentrei à sua casa, havia outros congoleses na sala e todos assistiam a um DVD de um show dos anos 1970 de Papa Wemba, que, segundo Pierre, era o maior músico do Congo e o seu favorito – em segundo lugar vinha Zezé de Camargo e Luciano.
Foi ali naquela sala apertada, ao som de Papa Wemba, que conheci Douwe, a quem eu viria a acompanhar por alguns dias em sua saga pela regularização de sua situação no Brasil, entre rodoviárias, Polícia Federal, uma mesa de bar – além de, claro, dividir sua cama por uma noite. Foi com Douwe, esse congolês de 36 anos de rosto e trejeitos amigáveis, que passei a ter noção do drama vivido por homens e mulheres que tiveram que deixar seus países, famílias e tudo o que tinham e conheciam para trás, por conta ou da guerra ou de perseguições políticas e ameaças de morte.
Foi ali também na região do Brás que conheci Amer Masarani. Nascido na Síria, ele se mudou para o Brasil com 26 anos. Devido à má situação econômica de seu país nos meados da década de 1990, ele decidiu que o maior país da América do Sul seria o lugar onde ele construiria sua família – tanto que se naturalizou brasileiro e hoje é dono de uma loja de calças jeans no bairro do Bom Retiro. Apesar de, em um primeiro momento, seu jeito parecer duro, é fácil logo ser conquistado por seu sorriso fácil e sincero, fora sua amabilidade, uma clara característica dos muçulmanos. Sua figura, assim como a de Pierre, também transpira liderança e carisma.
Há cerca de três anos a vida de Amer e de milhares de seus compatriotas mudou radicalmente com a guerra civil na Síria. Hoje, o comerciante sírio-brasileiro é um dos maiores líderes da comunidade islâmica em São Paulo, trabalhando incessantemente para ajudar seu povo, que busca no Brasil uma nova chance para retomar suas vidas.
Andando entre as ruas, ora movimentadas e barulhentas, ora vazias e perigosas do Brás, foi possível descobrir que a parte mais difícil das jornadas de congoleses, sírios e inúmeros outros refugiados de diversas nacionalidades não chegava nem a ser o que ficou para trás e sim, todos os desafios que ainda estariam – e estão – por vir, uma vez que eles entram em solo brasileiro.
Douwe
Douwe, quando veio para o Brasil, deixou esposa e três filhos para trás. Eles agora vivem com sua sogra em Kinshasa, capital do Congo. Estamos sentados do lado de fora de uma espécie de boteco-quitanda quando pergunto, de maneira inocente, se estão bem e a resposta vem de forma educada, mas seu olhar mostra raiva – não por mim, mas pela situação: “Claro que não estão bem. Eu tinha dinheiro. Podia pagar a escola e eles comiam todos os dias, agora eu não estou perto. Meus filhos não vão para a escola porque eu não tenho dinheiro”.
A história de Douwe é mais uma entre milhares de tantas outras, de pessoas que tentaram fazer o bem e, por isso, passaram a ser perseguidas a tal ponto que a única saída foi o refúgio em outro país. Na República Democrática do Congo, governada por Joseph Kabila, a defesa dos direitos humanos é um dos trabalhos mais perigosos para se realizar e era exatamente isso o que Douwe fazia. Em Kinshasa, ele trabalhava para L´École des Défenseurs de Droits de l´Homme (EDDH, sigla em francês), como um inspetor.
“Nosso escritório recebia uma denúncia [de violação dos direitos humanos], eu ia até lá, via o que acontecia, fotografava, conversava com as pessoas e depois escrevia um relatório para a EDDH”, resume Douwe, que, entre outras coisas, frequentemente entrava em prisões sujas e escuras para verificar o tratamento dado aos prisioneiros; defendia manifestantes que protestavam contra Kabila e eram agredidos nas ruas e chegou até a visitar valas coletivas onde cadáveres foram enterrados após massacres cometidos pelo governo, como no caso dos Bundu dia Kongo, em 2008.
Enquanto Douwe fala, a tonalidade de sua voz parece flutuar entre a raiva, indignação e uma espécie de lamento. Está claro que ele não se arrepende do trabalho que realizou em sua terra natal, só que a voz entrega a dor. Mas o momento que mais mexeu com Douwe – e que praticamente encerrou nossa conversa sobre seu passado – foi ao falar de um amigo seu, um dos maiores líderes da defesa dos direitos humanos no Congo, Floribert Chebeya, diretor da organização Voix des Sans Voix (A Voz dos que não têm Voz).
Floribert foi encontrado morto a tiros em seu carro, após ter ido se encontrar com o chefe da polícia nacional, em junho de 2010. Ele era um dos homens mais respeitados internacionalmente no que tangia à luta pelos direitos humanos no Congo. “Ah, Floribert…”, começa a lamentar Douwe, lutando para segurar as lágrimas que finalmente teimavam em surgir.
Eu digo a ele que não precisamos mais falar disso. Eu poderia tentar dizer o quão importante era contar sobre tudo o que ele passou, para as pessoas ficarem sabendo da realidade no Congo, mas a grande realidade é que eu não tinha certeza se essa minha fala seria totalmente honesta. A única coisa que eu tinha certeza naquele momento é que um bom homem – que já teve que deixar muita coisa para trás – preferia guardar aquela lembrança da morte do amigo consigo.
Para aliviar um pouco o clima, faço uma brincadeira, após ele pedir uma garrafa de cerveja “litrão”: “Ah, para pedir cerveja o seu português já está bom, né, Douwe?” E é mais ou menos nessa hora que chega Orence, um congolês com 25 anos de fala rápida, que joga as costas para trás toda vez que dá uma risada sonora – bem do jeito despreocupado dos africanos. Ele estudava Ciências Sociais em Kinshasa e viveu durante um ano na cidade de Goma. Quando ele desconversa sobre esse “um ano”, eu decido não insistir. Eu conheço a história sobre a região dos Kivus – onde se localiza Goma -, bem o suficiente para imaginar o que Orence deve ter testemunhado.
Se em Kinshasa, no oeste do Congo, o grande problema é o autoritarismo de Kabila, no leste do país o grande problema é uma guerra não-declarada que já acontece há 19 anos. Nos últimos anos, a região ficou conhecida por ter seus recursos naturais sistematicamente pilhados por países vizinhos – recursos naturais como ouro, estanho e coltan, todos essenciais para a fabricação de computadores, celulares e outros eletroeletrônicos. Além disso, o leste do Congo também ganhou a terrível fama de ser considerado “o pior lugar para ser uma mulher no mundo”. O estupro na região se tornou quase epidêmico nos últimos anos, fazendo com que até a ONU admitisse que era mais perigoso ser uma mulher do que um soldado no leste do país.
Assim sendo, qualquer coisa que Orence me contasse sobre o que viu por lá e o que o fez fugir não deveria ser um boa lembrança.
Falando sobre seus estudos na universidade, ele diz que seus pensadores favoritos são Max Weber, Engels e Frantz Fanon. Nisso, Douwe, que estava quieto até então, cita o pensador martinicano, quando este falou sobre o seu país: “Fanon uma vez falou que a África tinha o formato de um revólver. E o Congo era o gatilho”. Considerando que foi no Congo que aconteceu a chamada Guerra Mundial da África – na qual oito países e dezenas de grupos rebeldes se envolveram -, a metáfora de Fanon não foi tão equivocada.
Termino meu café – sim, apenas Douwe ficou no “litrão” – e digo que volto dentro de algumas horas, pois ainda tinha de ir conhecer Amer Masarani.
Burocracia, mãos atadas ou má vontade?
Na primeira semana de 2014, noticiou-se na imprensa brasileira que o número de refugiados estrangeiros no Brasil havia triplicado entre 2012 e 2013. Se, no primeiro, os pedidos de refúgio no Brasil foram cerca de 2.100, o do ano passado pularam para incríveis 5.200.
Na realidade, de acordo com um relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), lançado em dezembro passado, o ano de 2013 se mostrou um dos maiores da história – no mundo inteiro – no que diz respeito ao deslocamento forçado, devido ao excepcional aumento de refugiados e deslocados internos causados por conflitos e perseguições. O relatório Mid-Year mostrou que 5,9 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas nos primeiros seis meses de 2013, o que significou 77% do total de 7,6 milhões em todo o ano de 2012.
Após o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) publicar no Diário Oficial da União, em 24 de setembro de 2013, a resolução normativa decretando a concessão de vistos de refúgio a pessoas forçadas a sair do país por conta da guerra, aumentou o número de pedidos de refúgio feitos por sírios. Mesmo assim, eles figuram apenas em quarto lugar no número de refugiados no Brasil – atrás de Colômbia, Angola e Congo, respectivamente.
E é a partir daí que a imagem envolvendo a concessão brasileira de refúgio começa a ficar mais clara e, infelizmente, mais decepcionante. Primeiramente que os sírios não conseguiam solicitar o pedido de refúgio em seu país – a embaixada brasileira lá fechou em julho de 2012.
“O que acontecia é que as pessoas tinham que fugir para os países vizinhos, Líbano, Turquia, entre outros, para solicitar o status de refugiado na embaixada brasileira. Mas, quando eles chegavam aqui, verificavam que o que foi estampado nos passaportes era um visto de turista”, conta Amer, de maneira indignada. “As pessoas chegavam aqui e, ainda no aeroporto, a Polícia Federal dizia ‘por que você quer refúgio? Você tem 90 dias para estar no Brasil’”, completa ele.
A questão burocrática envolvendo a Polícia Federal (PF) brasileira – instituição que é a autoridade migratória no país, responsável por receber os estrangeiros e os pedidos de refúgio e por entregar-lhes, no mesmo ato, o protocolo de Permanência Provisória, que assegura os direitos dos solicitantes de refúgio – é alvo de queixa geral entre os refugiados em São Paulo.
“Eu não entendo por que dificultam tanto [o estabelecimento no Brasil]”, reclamou Orence, desde o segundo minuto que se sentou à mesa comigo e com Douwe, até nossa despedida. Ele chegou ao Brasil há mais de um mês e ainda se encontra em situação ilegal, ou seja, sem o protocolo. E seu caso não é uma exceção.
Em resposta à Fórum, a Polícia Federal em São Paulo argumenta que o aumento superexpressivo de procura desde o ano passado foi maior que a capacidade de atendimento que o órgão estava acostumando em anos anteriores.
Ou seja, quase uma espécie de teoria malthusiana acontece dentro dos prédios da PF espalhados por São Paulo: o número de refugiados aportando no Brasil cresce de maneira exponencial, enquanto o número de atendentes cresce, ou de maneira linear, ou simplesmente não cresce. Mas a solução não seria apenas uma questão de contratar mais gente para realizar o atendimento aos refugiados, uma vez que quem trabalha na PF não é contratado, e sim concursado. Além disso, concursos públicos para a Polícia Federal não acontecem sempre.
Nesse momento, os agendamentos para atender à solicitação de refúgio na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, na Lapa, levam um tempo de espera de cerca de seis meses após o estrangeiro manifestar o interesse em formalizar o pedido de refúgio.
Isso dificulta ainda mais a vida de pessoas que já se encontram em uma situação extremamente frágil, pois sem tal protocolo não é possível tirar uma carteira de trabalho provisória (que é garantida pela Lei de Refúgio Brasileira) e, claro, sem poder trabalhar legalmente por mais de seis meses – além de ainda ter que batalhar para conseguir uma vaga de emprego depois –, as chances dos refugiados caírem na informalidade é quase de 100%.
De acordo com Maria Cristina Morelli, coordenadora do Centro de Acolhida para Refugiados, mantido pela Caritas Arquidiocesana de São Paulo (Casp), principal órgão que assiste refugiados na cidade, a entidade frequentemente informa o Conare (Comitê Nacional para Refugiados) que essa demora no atendimento pela Polícia Federal volta a crescer, a respeito da situação. “Toda vez que o Conare se reúne, ou através de e-mails mesmo, nós expomos nossa preocupação”. A resposta que vem de volta, segundo Maria Cristina, é que as autoridades têm ciência da situação e estão buscando meios de melhorar a celeridade do processo.
Uma das medidas encontradas no ano passado foi a realização de um “mutirão” para o atendimento aos solicitantes de refúgio. Durante um mês, a Polícia Federal disponibilizou um número bem maior de agentes que o normal, acima do de estrangeiros que manifestam desejo de fazer o pedido de refúgio. Neste período, em um esforço conjunto com a Caritas (que mobilizou tradutores voluntários), um grande número de pessoas que já estavam na fila foi atendido e pôde receber o protocolo de permanência provisório, segundo o que prevê a lei.
“Essa é uma medida paliativa”, destaca Maria Cristina. “No ano passado ela ocorreu entre os meses de agosto e setembro, mas hoje o período [de espera] já está em seis meses”, completa ela. Mesmo assim, está previsto para o mês que vem um novo mutirão para atendimento aos refugiados.
Douwe, por exemplo, teve de pedir dinheiro emprestado – mais de 300 reais – para viajar até Araçatuba e solicitar seu protocolo de Permanência Provisória no posto da PF de lá, pois em São Paulo ele só conseguiria em julho. Falando em inglês, com forte sotaque francês – dando ênfase no segundo “i” do meu nome – Douwe dizia a todo o momento: “Viní, eu tenho que trabalhar, mon ami. Preciso de dinheiro para trazer minha família”.
A divergência nos postos da Polícia Federal do interior de São Paulo quanto à orientação na solicitação de refúgio também é outro obstáculo para as pessoas que, nas palavras de Amer, “são apenas bebês; acabaram de chegar a um país onde não falam o idioma, quase sem dinheiro e sem saber para onde ir”. Amer chega a confidenciar que a impressão que dá é de que os postos da PF ficam jogando um para o outro o trabalho.
Dando como exemplo um caso ocorrido na Polícia Federal em Santos, um dos oficiais responsáveis pela entrega do protocolo de permanência questionou um refugiado sobre quantas pessoas moravam em sua residência – é necessário passar o endereço residencial no momento do pedido -, e o oficial, ao duvidar da resposta do refugiado, de que caberia até 10 pessoas, chegou a entrar no Google Earth para visualizar a casa e assim provar que o refugiado mentia. Em outro exemplo, também em Santos, Amer conta que eles pedem um comprovante de residência. “Como terei comprovante de residência? Sou refugiado!”, interpreta Amer, de maneira exasperada.
Desde que a guerra civil começou na Síria, e o Brasil passou a receber refugiados – ainda em números pequenos -, Amer já começou a se movimentar para apoiar o seu povo da maneira que podia. Desde protestos em frente à embaixada síria na Avenida Paulista, à criação de uma página no Facebook para expor a situação síria, até o envio de cartas ao governo brasileiro, à ONU, ao Conare e à prefeitura de São Paulo. O apoio que recebeu? Nenhum.
Sem alternativas, teve de chamar para si a responsabilidade e, junto de outros sírios, começou o trabalho. O principal desafio era primeiramente encontrar um lugar para as pessoas fugindo da guerra se instalar em São Paulo. “Alugamos galpões, pagamos hotéis, abríamos nossas casas, fazíamos tudo o que era possível”, conta Amer, que inclusive, nesse momento, está abrigando uma família há mais de dois meses.
Como exemplo das dificuldades criadas burocraticamente por outros, fora o governo, Amer enviou à Fórum sua correspondência eletrônica com uma imobiliária em São Paulo, a fim de conseguir alugar uma casa para refugiados. Ao final de 45 dias de entraves, idas e vindas e muita dor de cabeça, a resposta foi simplesmente um “Recusado”.
Segue abaixo, o relato de Amer contando como foi todo o processo:
“Boa noite Vinicius
Vou te contar como passei um grande nervosismo tentando alugar uma casa para alojar alguns refugiados que não têm onde dormir.
Depois de grande procura, encontramos um apartamento razoável de dois dormitórios, peguei o número da imobiliária, liguei e falei com o corretor sobre os detalhes do aluguel, condomínio e tudo mais.
Pergunto se aceitam três meses de depósito como garantia, mas não teve jeito. Optamos por seguro fiança, porque não tenho fiador. Para o seguro, tive que preencher uma ficha cadastral e nela tem que falar até a cor da sua cueca e, na ficha, eles falam que a resposta [vem] em 48 horas.
Mandei a ficha e esperei uma semana, e, sem resposta, liguei para o corretor reclamando, ele falou que vai ligar para ver por que o atraso.
Vem a resposta dois dias depois, [dizendo] que na ficha não colocamos a renda mensal.
Falei para o corretor “porque não avisaram antes a falta da renda?”, tem que esperar [uma] semana para falar isso?
Entrei no e-mail que o Porto Seguro me mandou e alterei colocando a renda minha e da minha esposa. E mandei de novo. Uma semana depois liguei, “e ai?”
Dois dias depois vem a resposta, o senhor não assinou a ficha. Falei como que não? A ficha está aqui no meu e-mail assinada e tudo mais. Eles [respondem] ‘tá bom vamos analisar’, uma semana depois vem a resposta: a ficha alterada tem que ser reimpressa de novo e assinada com a data atual. Imprimi a ficha de novo assinei e coloquei a data atual e “escaneei” e mandei de novo.
Uma semana depois eles mandaram email solicitando declaração IR
Mandei.
[Uma] semana depois solicitaram extrato bancário dos últimos 4 meses junto com a da minha esposa, mandei os meus e dois dias depois mandei o da minha esposa.
[Uma] semana depois mandaram de novo solicitando o meu extrato dos últimos 4 meses. Aí liguei e falei com o atendente da Porto Seguro por que o extrato de novo já que mandei, ele [diz] o senhor mandou só a da sua senhora, falei “não senhor, o meu foi antes que o dela”. Ele [responde] “Só minuto. Ah, sim, acabou de chegar, agora está certo, vamos analisar e em 48 horas vem a resposta”.
E claro depois de tanta espera não falei nada para eles não ficarem com raiva de mim e me barrar .
Esperei dois dias mandaram um novo e-mail pedindo o extrato da minha esposa acrescentando o mês de janeiro 2014. Mostrando nele o logo do banco e nome do correntista e sem falhas.
Pedi para minha esposa ir ao banco e pegar 4 meses de extrato detalhado . Mandamos o último e-mail para a Porto para ver a resposta: “Recusado”.
Fiquei uma fera, depois de quase 45 dias com pessoal no hotel pagando absurdo de diárias”.
A Fórum procurou tanto a imobiliária que mediou a negociação quanto a própria Porto Seguro, mas maiores detalhes sobre a recusa só poderiam ser disponibilizados a Amer. Diante da sugestão de exigir uma explicação para o caso, Amer se recusou: “Eles já atrapalharam as vidas de muitas pessoas e já tivemos de gastar muito dinheiro com diárias em hotel. Qualquer que seja a resposta deles, o estrago já está feito”.
Ao longo dos três anos, considerando a pouca ajuda que tiveram, é notável o trabalho que Amer e seus parceiros realizam. Conseguir lugares para jovens solteiros morar é mais fácil, pois estes aceitam dormir em colchonetes no chão compartilhando com até mais de 10 pessoas. Para homens com esposa e crianças, a situação é bem mais difícil.
“Todos eles vêm animados, cheios de esperança, mas, uma vez no Brasil, eles recebem um banho de água gelada em suas caras”, o tom de Amer é de extremo cansaço e decepção. Muitos inclusive resolvem buscar outro lugar para viver – e os que ficam tentam fazer de tudo para sobreviver. “Muitos, na Síria, eram médicos, engenheiros, empresários que hoje têm de trabalhar até como estoquista, por exemplo, por não dominarem o idioma e não conseguirem legalizar seus diplomas no Brasil”, diz ele.
Se no governo brasileiro os refugiados não encontram o apoio que esperavam ter, é em organizações e entidades sem fins lucrativos que reside a grande esperança deles.
Além da Caritas, a principal organização de apoio aos refugiados em São Paulo é o Instituto de Reintegração do Refugiado, ou apenas Adus, fundada por três amigos: Marcelo Haydu, Victor Mellão e Andrea Piccini. Realizando diversos programas de assistência aos refugiados, o Adus trabalha com o ensino de português (em parceria com a escola de idiomas Wizard e o Cursinho do XI) para facilitar a integração no Brasil. Também faz ações culturais e de lazer (passeios com voluntários brasileiros e refugiados a vários locais da cidade de São Paulo). “É uma forma de os refugiados praticarem o idioma local em ações práticas, além de ser uma forma de eles conhecerem mais a cidade”, argumenta Haydu, diretor executivo da organização. Para essas ações, a organização conta com o apoio da empresa de ônibus Firenze, que cede o transporte para levar os refugiados aos passeios.
Entretanto, um dos principais programas do Adus consiste na inserção de refugiados no mercado de trabalho. “Fazemos contato com empresas, prefeituras, sindicatos e Ciesps (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) a fim de apresentar nosso trabalho e falar do tema do refúgio. Essas apresentações servem para sensibilizar e conscientizar essas pessoas e são uma forma de preparar o terreno para que refugiados possam ter oportunidades de inserção no mercado de trabalho”, explica ele.
Existem também situações emergenciais. “As necessidades que surgem são as mais diversas, como é o caso de roupas, fraldas, móveis”, conta Haydu. “No caso dos móveis, por exemplo, temos o apoio do Portal da Ajuda, instituição que tem sido grande parceira do Adus. Eles conseguem, em diversos casos, a doação de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos para os refugiados, tudo sem nenhum custo, inclusive do transporte”, completa ele.
O Adus já atendeu mais de 500 refugiados em seus diferentes programas e ações. Conseguiu ainda inserir 170 refugiados no mercado de trabalho e atender 200 alunos no curso de português. Conta também com 80 voluntários.
Quanto ao futuro?
O sorriso no rosto de Douwe assim que saímos da Policia Federal – com seu protocolo de permanência em mãos – é imenso: “I´m very happy, Viní!” Tudo o que ele precisa agora é comparecer a uma delegacia do trabalho e requisitar sua carteira profissional. Talvez com a ajuda de “irmãos” congoleses – como todos eles se chamam aqui no Brasil, ou até mesmo do Adus, Douwe consiga trabalho, ganhe dinheiro e possa trazer sua esposa e os três filhos para o Brasil. Os outros congoleses que conheci, Allain e Orence, ainda têm de esperar o meio do ano para conseguirem ser atendidos pela Polícia Federal, ou, então, arriscar a viagem de oito horas e mais de 300 reais até Araçatuba, como fez Douwe.
De qualquer maneira, o futuro de todos eles ainda é incerto. Pierre é o refugiado do Congo que conheci que tem a situação mais estável. Ele ainda é a maior referência em assistência para seus compatriotas que chegam ao Brasil.
Da mesma maneira que á Amer para os sírios. Todos os dias, entre seu trabalho e sua família, ele encontra tempo para procurar lugares para os refugiados da Síria morarem em São Paulo. Mas, diferentemente desses que estão chegando, hoje ele confessa querer voltar para seu país: “De três anos para cá eu me decepcionei com o Brasil. Parece que existem pessoas nas esferas do governo que querem atrapalhar e travar o crescimento desse país”, diz ele, não se referindo apenas às questões dos refugiados, mas na conjuntura política e social do Brasil como um todo. “Eu amei esse país. Eu amei demais, mas quando a situação na Síria estiver estável e o ditador Bashar al-Assad sair do comando, eu voltarei para lá”.
Assista aqui ao vídeo promocional do Projeto “É preciso interagir para se integrar”.
Fonte: Revista Fórum Semanal