Médicos sem Fronteiras atendem no Sudão do Sul | IKMR
Cerca de 40 mil pessoas buscaram refúgio em dois complexos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Juba, devido à violência que tomou conta da cidade a partir de meados de dezembro de 2013. A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a operar clínicas nos acampamentos de Tomping e Juba 3 em dezembro de 2013, onde as atividades médicas continuam em andamento.
No campo de Tomping, mais de 27 mil pessoas vivem em meio ao desespero, impossibilitadas de retornarem às suas casas. Equipes de MSF estão observando um aumento do número de casos críticos de sarampo e doenças diarreicas. Forbes Sharp, coordenador de emergência de MSF, faz um balanço sobre as terríveis condições das pessoas nesse campo, sobre como MSF tem atuado e o que mais precisa ser feito.
Qual é a situação atual no campo Tomping, em Juba, onde milhares de pessoas deslocadas se estabeleceram?
Há apenas uma maneira de descrever Tomping: excessivamente superlotado. Quando você dirige para o acampamento, vê pessoas vivendo à beira da estrada, sob arbustos, tentando conquistar pequenos espaços para si e para suas famílias. É evidente que esse complexo nunca foi pensado para ser um campo de deslocados, ou para suportar esse número de pessoas. Poderia receber, no máximo, entre 4 e 5 mil pessoas; atualmente, mais de 27 mil estão amontoados neste espaço, sob extremo calor, vivendo em condições impossíveis.
Do ponto de vista da saúde pública, tais condições de superlotação são como uma bomba relógio. Doenças transmissíveis se espalham rapidamente nesse tipo de ambiente, principalmente com saneamento tão inadequado. É difícil encontrar espaço para construir latrinas e as pessoas estão se esforçando para manter o mínimo de higiene. Como resultado, nós vemos altos números de casos de doenças diarreicas em nossa clínica, que, nesse contexto, podem matar.
Em uma emergência, o objetivo é ter uma latrina para cada 50 pessoas. Em Tomping, há uma para cada 150 pessoas – nem perto do necessário. Há muitas organizações no local fazendo o melhor que podem, tentando achar espaço para construir mais latrinas, mas, assim que mais são feitas, ficam cheias. A falta de espaço faz com que seja muito difícil para toda a comunidade humanitária trabalhar aqui.
O que MSF está fazendo para ajudar os deslocados em Tomping?
Em 22 de dezembro, nossa equipe de emergência abriu um ambulatório no campo de Tomping, onde tratamos mais de 7.700 pessoas, principalmente com doenças diarreicas, infecções do trato respiratório e malária.
Há algumas semanas, começamos a atender mais e mais casos de sarampo, uma doença viral que cujos primeiros sintomas são olhos avermelhados, corrimento nasal e tosse, e depois uma coceira começa a se espalhar. O sarampo enfraquece o sistema imunológico, deixando crianças, em particular, muito fracas e suscetíveis a superinfecções. A ocorrência do sarampo em um acampamento como este é alarmante porque afeta crianças pequenas, se espalha rapidamente e pode matar.
Em resposta a isso, nós construímos uma segunda instalação para tratar casos pediátricos críticos, com atendimento de alto nível 24 horas. Até o momento, tivemos 163 admissões, quase todas de crianças com menos de cinco anos. Nossa ala pediátrica está operando com 150% de sua capacidade desde que foi inaugurada, sendo metade dos casos relacionados a sarampo, com os pacientes chegando já em péssimo estado de saúde.
Apesar de nossos maiores esforços, perdemos 16 pacientes desde a inauguração da instalação. Agora, estamos dobrando o tamanho de nossa ala pediátrica e enviando nossas equipes de saúde comunitária para encorajar a população a levar seus filhos para o hospital muito mais cedo, antes de ficarem muito doentes. Quanto mais cedo elas forem levadas ao hospital, mais vidas poderemos salvar.
Quais são os principais desafios enfrentados em campo?
Espaço. Esse é o problema que todos nós enfrentamos trabalhando em Tomping. Nossa clínica é quase do tamanho de uma quadra de tênis, onde tratamos mais de 200 pacientes por dia, regularmente. Quando a movimentação da clínica está a todo vapor logo pela manhã, quase não há espaço para caminhar de um lado ao outro. O espaço é tão valioso que as pessoas construíram pequenas tendas alinhadas à cerca do entorno de nossa clínica – essas são suas casas.
O calor é impressionante e com a estrutura de saneamento tão precária, crianças estão contraindo diarreia, que leva à desidratação. Uma pequena menina que foi levada para a ala pediátrica estava tão desidratada que suas veias foram prejudicadas. Uma das enfermeiras de MSF, Anna, passou mais de cinco horas com ela, alimentado-a por um tubo gastrointestinal e, embora ela tenha demonstrado sinais de reanimação, era muito tarde e ela, infelizmente, morreu naquela noite.
Quais são as suas preocupações quanto aos deslocados? O que mais precisa ser feito?
Nós estamos muito preocupados com os efeitos que as condições de vida no campo estão tendo sobre as pessoas. Novos dados levantados em todo o campo de Tomping, incluindo informações de MSF, indicam que o número de pessoas morrendo no acampamento todos os dias está acima do patamar de emergência. Nós estamos analisando os dados profundamente para ter mais clareza acerca dos números exatos e as razões de os níveis estarem tão elevados.
Enquanto isso, nós reforçamos nossa equipe de MSF dobrando o tamanho de nossa ala pediátrica e o número de enfermeiros e médicos, melhorando o alcance às comunidades para encorajar a população a buscar tratamento mais cedo e implementando sistemas de vigilância de mortalidade. Ao mesmo tempo, estamos conversando com outras organizações em campo sobre o que todos nós podemos fazer para responder à situação. Nós achamos que é necessário mais espaço para latrinas e mais uma clínica ambulatorial.
Vivendo em condições tão duras e estagnadas, as pessoas estão incrivelmente vulneráveis a doenças, o que torna cada dia uma batalha. Para mim, a parte preocupante é que Tomping representa apenas uma fração do sofrimento de mais de 800 mil pessoas que tiveram de se deslocar de suas casas pelo Sudão do Sul.