Alguns dramas dos refugiados sírios no Brasil

sexta-feira, março 28, 2014

150 sírios são acolhidos em mesquita de São Paulo. A cidade registra o primeiro falecimento de um refugiados dessa nacionalidade.

sbO metalrgico srio Ahmed, 24, disse ter recebido convites do regime do ditador Bashar al-Assad e de forças da oposição para combater na guerra civil da Síria. Filho único, rejeitou a proposta dos dois lados e teve o apoio da família para deixar Damasco e o país.

Ele, que não quis dar seu sobrenome por medo de represálias, passou pelo Líbano e pela Turquia antes de chegar a São Paulo e buscar abrigo na mesquita da cidade.

Ahmed um dos 150 refugiados sírios que recebem apoio da comunidade islâmica local. Os primeiros chegaram em 2012, segundo ano do conflito que em três anos deixou 120 mil mortos, de acordo com a ONU.

Mas foi a partir de setembro de 2012, quando o Brasil retirou as restrições de visto para os sírios, que o número subiu.

O Comitê Nacional de Refugiados (Conare) afirmou que 333 sírios pediram refúgio ao país até junho de 2013, mas não deu detalhes sobre o crescimento após esse período.

A legislação determina que o governo deve garantir aos refugiados saúde e educação e fornecer documento de viagem, carteira de identidade e de trabalho. Porém, não prevista ajuda financeira.

O dinheiro usado para socorrer os refugiados vem de doações e do repasse anual do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), que deve entregar US$ 8,08 milhões (R$ 18,74 milhes) ao Brasil em 2014.

A verba destinada a cinco entidades, entre elas a Critas Arquidiocesana. A maior parte dos beneficiados vem da África, Colômbia e Haiti, para quem o Brasil abriu as fronteiras após o terremoto de 2010.

Com o fluxo intenso de haitianos, que chegou a 26 mil em dezembro, as entidades enfrentam dificuldades para receber outros refugiados, que são obrigados a enfrentar espera de até dez meses.

Diante da superlotação, os sírios passaram a buscar o auxílio das comunidades islâmicas. Além de Guarulhos, as mesquitas do Brás, do Pari e do Cambuci, na capital, também recebem os refugiados na Grande Sã Paulo.

O líder religioso da mesquita de Guarulhos, xeque Mohamad al Bukai, elogiou a decisão do Brasil de acolher os sírios, mas também pediu mais apoio às autoridades.

O templo abriga hoje 30 refugiados, que dormem em colchões em quatro salas do andar superior da mesquita e no salão de orações.

Os outros 120 estão em casas de membros da comunidade, que também forneceram alimentos e empregos a alguns deles. “Agradecemos ao Brasil por acolher nosso povo, mas vamos ter de fechar a mesquita para os refugiados se o fluxo aumentar”, disse Bukai.

Classe média

A maioria dos sírios que estão em Guarulhos é de classe média. No entanto, muitos deles gastaram toda a sua poupança para chegar ao Brasil.

Entre eles, há médicos, advogados, universitários e empresários, como Hasan Balaa, 53, que tinha uma agência de turismo em Damasco.

Com o início do conflito, a demanda pelos serviços diminuiu e ele teve suas quatro vans roubadas pelos rebeldes e por milícias leais ao regime, conhecidas como shabbiha.

Em março de 2012, ele e sua mulher decidiram ir ao Egito. No ano passado, voltou Síria e encontrou destruída uma fazenda de oliveiras que tinha perto de Damasco.

Ele foi impedido de voltar ao Cairo e, então, tentou duas vezes entrar na Europa em embarcações improvisadas. As tentativas – para as quais pagou US$ 4.380 (R$ 10.160) a coiotes – fracassaram.

Por fim, ele pediu visto ao Brasil. O empresário diz que quer ter um negócio no país. No entanto, reclama de um novo inimigo: a burocracia.

Fugiu da guerra e morreu do coração

Uma lágrima grossa escorreu no rosto branquíssimo da síria Razan. Usando um casaco longo bege e a cabeça coberta por um lenço branco estampado com flores pretas, a mulher bonita, de 33 anos, acabara de voltar da sepultura do marido no Cemitério Islâmico de Guarulhos, na Grande São Paulo.

O nome do homem era Mohammad. No último dia 21 de janeiro, havia completado 37 anos. Junto com Razan e seus três filhos – dois meninos de 9 e 12 anos e uma menina de 2 anos–, ele chegou ao Brasil em maio do ano passado, com o objetivo de deixar para trás a guerra civil que há três anos atinge seu país natal. Mohammad morreu na sexta-feira (21/03), em São Paulo, por complicações relacionadas a problemas cardíacos.

Segundo a comunidade árabe na cidade, ele é o primeiro refugiado sírio a morrer no Brasil. Entidades que prestam assistência a essas pessoas, como a Cáritas SP e o Instituto de Migrações e Direitos Humanos, afirmam que esse é o primeiro caso do qual foram notificados.

Tortura

Natural de Arbeen, cidade na periferia de Damasco que concentra muitos opositores ao regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, Mohammad chegou ao Brasil contando que foi preso e torturado com eletrochoques até quase morrer.

O motivo de sua detenção não ficou claro: um dos entrevistados diz que soldados do Exército de Assad encontraram em seu celular fotos de manifestações antirregime, mas os demais afirmam que ele foi preso aleatoriamente, apenas por morar em um lugar onde há muitos rebeldes.

Mohammad, Razan e os filhos vieram para o Brasil após não terem se adaptado na Turquia. Eles foram orientados, quando chegassem, a procurar uma mesquita em Campinas, no interior de São Paulo.

A primeira noite, a família passou no Aeroporto de Guarulhos. Preocupado e com os pés inchados por causa do problema de saúde, Mohammad não conseguiu dormir. No dia seguinte, Razan e os filhos foram para um hotel nas redondezas e o homem viajou até Campinas, onde foi orientado a voltar à capital.

“Me ligaram de lá dizendo que não tinham como ajudar, e eu disse para enviá-lo para cá”, conta o xeique Mohamad Al Bukai, da Mesquita de Guarulhos. Hoje, a comunidade religiosa abriga cerca de 40 refugiados e acompanha vários outros, mas Mohammad foi um dos primeiros a chegar ao local.

A família dele foi acolhida primeiro na residência de um casal de sírios que mora no Brasil há mais de 30 anos, no Brás, Zona Leste de São Paulo. Os anfitriões cederam o próprio quarto para que os recém-chegados se alojassem durante 40 dias, até que eles se mudaram para um apartamento nas redondezas. Coincidentemente, a dona da casa, que também é natural de Arbeen, é irmã de uma ex-professora que deu aula para Mohammad na infância.

Engenheiro da computação, Mohammad começou a trabalhar em casa, consertando computadores, tablets e celulares. Ele também criou um aparelho que podia ser conectado à TV e sintonizava diversos canais árabes no Brasil – a invenção era vendida à comunidade árabe da cidade por R$ 700. “Ele era muito inteligente”, elogiaram vários conhecidos do refugiado sírio.

Cirurgia

Fluente em inglês, Mohammad estava empenhado em aprender a falar português. Ele ia com a mulher e a filha pequena a todas as aulas do idioma que acontecem três vezes por semana na Mesquita do Pari, na região central de São Paulo.
O homem era engajado na batalha para conseguir ajuda a seus conterrâneos e participou de três reuniões com a prefeitura sobre a situação dos refugiados sírios na cidade.

Mohammad também era teimoso e evitava ao máximo ir ao médico. Algumas vezes, passou mal na aula de português e chegou a cair desmaiado, mas não aceitava ir ao hospital e queria receber sempre os cuidados em casa – até que sua situação piorou.

Após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e um infarto, o sírio ficou internado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde foi operado no dia 15 de março. A válvula mecânica no coração foi trocada por uma biológica, que é mais difícil de se infectar, mas ele já estava muito fraco e seus rins pararam de funcionar. Mohammad ainda abriu os olhos em uma ocasião, alguns dias após a cirurgia, e pôde ver Razan. Mas morreu na última sexta-feira, às 6h da manhã.
“O Mohammad veio com essa ideia na cabeça, de construir algo melhor para seus filhos no Brasil. A vida agora continua”, disse a colega.

Fonte: O Estrangeiro


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