O comerciante sírio Amer Masarani, de 42 anos, tem mais de 20 chips de celulares registrados em seu CPF. Todos pertencem a conterrâneos seus que chegaram a São Paulo fugindo da guerra civil que já atinge o país há três anos. Como muitos atendentes de lojas de telefonia não aceitam que alguém compre chip pré-pago sem ter um CPF – apesar de ser permitido oficialmente o cadastro com passaporte –, essa foi a solução encontrada por ele para que os recém-chegados tenham seu próprio telefone.
Amer também alugou um apartamento em nome dele para uma das famílias, recebeu outra em sua casa por dois meses e criou um curso de português na Mesquita do Pari. Muitas vezes, serve de tradutor enquanto eles não aprendem o idioma. Foi assim que fez o contato entre uma gestante e a ginecologista que a examinava: do lado de fora da sala, com um celular, ele falava com a paciente e a médica para permitir que se comunicassem.
Para dar conta de tudo isso, Amer praticamente abandonou suas três lojas de roupas no Brás. “Faz quatro meses que larguei meu serviço. Uma vez pedi pro gerente colocar um placa ‘precisa-se de vendedor com experiência’ e ele falou: ‘Posso colocar uma placa de precisa-se de um patrão?’”, conta, com bom humor.
Natural da cidade de Homs, Amer mora no Brasil há 17 anos, é casado com uma brasileira e tem três filhos. Depois que trouxe sua família para cá, no início da guerra, começou a ajudar outros sírios desconhecidos que queriam sair de lá e não tinham para onde ir. “Tirei minha mãe, minha irmã e meus sobrinhos de lá pra não sofrerem na guerra. E, como essa minha mãe, o outro também tem mãe. E essa mãe também precisa de ajuda”, diz.
Limbo burocratico
A maior parte dos problemas, segundo Amer Masarani, ocorre nos primeiros meses em que eles ficam no Brasil. Como o pedido de refúgio só pode ser feito já em território nacional, eles precisam chegar com visto de turista, que dura três meses e pode ser renovado por mais três. Devido ao conflito na Síria, o Brasil passou a facilitar a obtenção do visto de turista para os cidadãos desse país.
Uma vez que vão à Polícia Federal pedir o status de refugiados, eles ganham um protocolo provisório que permite que tirem carteira de trabalho e aluguem imóveis, por exemplo. Segundo o governo e entidades que atendem essas pessoas, o fato de terem vindo da Síria, que está reconhecidamente em guerra civil, garante a obtenção do status de refúgio.
O problema é que o número de vagas para agendamento dessa entrevista está muito aquém do necessário, já que, além dos sírios, o Brasil recebe migrantes de vários outros países, como Haiti, Colômbia e Congo. Portanto, essa entrevista pode demorar até oito meses para acontecer.
Enquanto isso, com o visto de turista eles não podem obter um emprego formal e resolver muitas outras questões burocráticas. Pior: depois que esse documento vence e antes de a entrevista na PF acontecer, eles ficam na ilegalidade.
É essa lacuna que Amer e outros amigos tentam ajudar a resolver. A questão da moradia, segundo ele, é crítica. “É muito difícil alugar casas. São todos refugiados, onde vão arranjar um fiador? Ou então exigem três aluguéis como depósito, mas eles não têm esse dinheiro.”
O grupo fez uma tentativa de alugar um galpão para alojar várias famílias provisoriamente, mas nenhum proprietário permitiu. “Não conseguimos nada. As pessoas são muito desconfiadas em relação ao que seja uma refugiado. Ficam com medo de eles não saírem mais de lá”, conta a brasileira Layla Ielo, que ajuda no trabalho com os refugiados no Brás.
A solução tem sido conseguir apartamentos de amigos para alojar provisoriamente algumas famílias, fazer vaquinhas com outros comerciantes árabes para pagar hotéis baratos ou conseguir trabalho no mercado informal para que os refugiados possam se sustentar sozinhos.
Também há mesquitas que estão hospedando os refugiados no próprio templo. É o caso da mesquita de Guarulhos, onde aproximadamente 40 pessoas dormem em colchões espalhados pelo edifício.
No Brasil desde 1993, o comerciante libanês Hussein El Khatib ajuda a conseguir doações e outros serviços para os refugiados que estão nessa mesquita. Ele já abrigou, no total, quatro adultos e cinco crianças em sua casa. Conta que todos os dias pede a seus filhos que comprem doces para distribuir entre as crianças refugiadas.
O xeique da Mesquita de Guarulhos, Mohamad Al Bukai, diz que conseguiu até 200 vagas de trabalho em uma fábrica no Paraná e já tem ao menos 20 sírios interessados em aproveitar essa oportunidade, mas não pode enviá-los para lá por não terem ainda o protocolo. Ele diz que o templo atingiu a máxima capacidade de atendimento. “Ontem me ligaram dizendo que chegaram dez sírios no aeroporto. Estamos sobrecarregados”, afirma.
Governo e sociedade civil
O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do governo brasileiro responsável por conceder documentos aos refugiados, repassa recursos de assistência direta para organizações da sociedade civil como a Caritas.
Segundo Larissa Leite, advogada da Caritas de São Paulo, a entidade ajuda com assistência na documentação, distribui cestas básicas e também um valor mensal pequeno apenas para as famílias que estão em situações mais emergenciais, já que o recurso não é suficiente para todas.
Também tem convênios, por exemplo, com entidades que dão cursos de português, mas as vagas não são suficientes.
Em relação à moradia, ela diz que a organização tem convênio com duas casas de acolhida e também pode encaminhar as pessoas para albergues municipais, mas esses lugares não são preparados para receber famílias, e isso afugenta muitos sírios.
“Eles têm perfil diferente de outros migrantes. A grande massa chega com dois, três filhos. E para eles a privacidade é muito importante. Por isso a questão da moradia acaba ficando a cargo das comunidades”, diz a advogada.
Larissa afirma que, para atender à grande demanda (que inclui também migrantes do Haiti, da Bolívia e de outros países), a Caritas vai tentar obter mais fontes de financiamento.
Segundo a Caritas, 171 sírios foram reconhecidos como refugiados em São Paulo ao longo do ano de 2013. No Brasi todo, esse número foi de 283, segundo dados do Ministério da Justiça – o dado representa 44% do total de concessões feitas pelo governo federal.
Amer Masarani afirma que as mesquitas do Pari e de Guarulhos, juntas, atendem mais de 240 refugiados atualmente. “Quando estou saindo para ajudar, tenho certeza absoluta de que Deus vai me ajudar também. E até agora não faltou nada, graças a Deus.”
Fonte: G1