“Caminhamos em uma área que permite dar 128 passos no sentido do comprimento e 7,5 no da largura. Este é o caminho que nos demarcaram: dois metros de redes e sobre elas dois metros de acrílico. Somos como canários em uma mesma jaula”, disse o africano Ahmed, que vive na Itália há 22 anos.
No dia 20 de dezembro, a polícia o deteve e pediu seus documentos. Ele não os tinha – e continua não tendo – por isso desde então está recluso no Centro de Identificação e Expulsão (CIE) de imigrantes de Ponte Galeria, em Roma. “Dois meses se passaram, mas parecem dois séculos”, contou Ahmed (nome fictício) à IPS por telefone.
No mês passado, a Caritas Italiana e a Fondazione Migrantes publicaram, em seu informe anual sobre migrações, que “a verdadeira reforma do sistema de repatriação seria o fechamento dos centros”. Oliviero Forti, diretor de assuntos de imigração na Caritas, explicou à IPS os motivos por trás de uma recomendação tão forte.
“Com a ajuda do professor Roberto Cherchi, advogado constitucionalista, chegamos à conclusão de que há um problema de legitimidade constitucional nesses lugares. Precisamente pela maneira como estão concebidos, construídos e administrados, é fácil incorrer em grossas violações dos direitos humanos”, destacou Forti.
O CIE é parte do sistema italiano de acolhida e identificação de imigrantes. Além disso, há os centros de recepção (CDA), os centros de recepção para solicitantes de asilo e refugiados (Cara) e os centros de primeiros auxílios e recepção (CSPA). O CSPA da ilha de Lampedusa, na Sicília, causou indignação quando um noticiário nacional divulgou um vídeo mostrando imigrantes despidos sobre os quais era jogado inseticida contra sarna em pleno frio de dezembro.
Os CIE são centros para imigrantes que não têm autorização de moradia ou documentos de identidade, e para aqueles que receberam uma ordem de deportação. Porém, como diz o informe da Caritas e Migrantes, os lugares disponíveis são muito menores do que a quantidade de pessoas nessa situação.
Em consequência, a reclusão nesse lugar é decidida caso a caso, seguindo critérios tão informais como se uma pessoa é considerada um perigo para a sociedade e se as possibilidades de identificá-la e deportá-la são altas. Isso cria desigualdade no tratamento, que frequentemente se baseia na nacionalidade.
Kalid Chaouki, parlamentar italiano pelo Partido Democrata, visitou o CIE de Ponte Galeria após o protesto de alguns reclusos que literalmente costuraram suas bocas, em janeiro, para chamar a atenção sobre as condições de vida nesse centro romano. “A situação ali era ainda pior do que a de Lampeduza, porque, de fato, é uma prisão ilegal, onde as pessoas que não cometeram nenhum crime ficam detidas por meses”, denunciou à IPS.
Imigrantes que deveriam estar em outros centros costumam ficar retidos no CIE. “Lamentavelmente, é comum encontrarmos mulheres vítimas de tráfico, menores, pessoas não reconhecidas pelo Estado e também cidadãos da União Europeia (UE), por exemplo, romenos”, afirmou à Gabriella Guido, porta-voz da LasciateCIEntrare (Deixem que Entrem, em italiano). Essa é uma campanha iniciada em 2011, quando o então ministro do Interior proibiu que os meios de comunicação entrassem nos centros. Aquele foi o ano em que o período máximo de detenção aumentou de seis para 18 meses.
“O problema com a identificação é que os consulados estrangeiros não cooperam muito, mas se um imigrante não é reconhecido nos primeiros 30 a 60 dias, isso tampouco ocorrerá em 18 meses. A extensão da permanência só aumenta o estresse, os distúrbios e os episódios de ferimentos autoinfligidos dentro do CIE”, detalhou Guido. Segundo Ahmed, “aqui ninguém dorme, a não ser os que tomam pílulas para dormir. Muitos se fecham em si mesmos. Há quem já não fale mais, e também que fale sozinho. Tem sorte quem ao sair daqui ainda tiver cem gramas de cérebro”.
Agora, o acesso da imprensa ao CIE depende de autorização do prefeito. Forti pontuou que o sistema de recepção exige uma reforma mais profunda. “Regularização dos imigrantes, salários justos, proteção legal de cidadãos estrangeiros, tudo isto significa conceder uma correta cultura do trabalho na Itália, tanto para os imigrantes como para os cidadãos italianos”, acrescentou.
Entretanto, essa ideia gera oposição política. Nicola Molteni, parlamentar pela Liga Norte, disse à IPS que a Itália é vítima do “comportamento político indulgente dos últimos dois governos”, e que a UE abandonou o país. “Temos 3,2 milhões de desempregados, um milhão de desempregados jovens, e antes de tudo devemos dar trabalho à nossa gente. Com esses números nem mesmo precisamos de uma imigração regular, sem mencionar a ilegal, que costuma colocar os imigrantes em mãos do crime organizado”, ressaltou.
Ele e seu partido defendem o CIE. “Tem uma funcionalidade e uma necessidade que são fundamentais”, afirmou Molteni. “O problema é a completa falta de uma política de ampliação, de controle de fronteiras e de cooperação internacional com os países do norte da África para impedir a imigração”, acrescentou.
Do outro lado do espectro político, Chaouki disse que os CIE são um cavalo de batalha da Liga Norte e que não solucionam nenhum problema. “Precisamos desenvolver alternativas, abrir novos canais regulares de acesso à Itália, novos procedimentos de recepção e também de deportação que não sejam prejudiciais para as pessoas”, enfatizou à IPS.
Segundo a investigação da Caritas, dos 35.872 procedimentos de deportação que houve em 2012, 18.592 terminaram em expulsões reais. No total, 7.944 cidadãos estrangeiros passaram pelos CIE, e destes só metade acabou sendo deportada. “Apesar da enorme soma em dinheiro que se gasta para manter esses lugares, nem mesmo cumprem o propósito para o qual foram criados. Nossa conclusão é que sua função é mais para aplacar a ansiedade dos que veem os imigrantes como uma ameaça para a segurança”, opinou Forti.
A voz de Ahmed se torna mais séria ao telefone: “Aqui estamos enlouquecendo. Se um italiano médio pudesse nos ver agora, pensaria que é melhor nos manter fechados. Mas não fazem nada, porque nada veem”.
Fonte: IPS