‘Na memória só ficou o barulho das bombas’, diz refugiado sírio no ES

domingo, março 23, 2014

refugiado sírio

Alternativa diária dos sírios é manter contato com a família pelas redes sociais, além de se informarem pelos sites locais. Foto: Juirana Nobres / G1ES

“Na minha memória só ficou o barulho das bombas e o cheiro insuportável das armas químicas.” Esse é o relato de um refugiado sírio que está no Espírito Santo desde janeiro de 2014, e que prefere não ser identificado por medo de perseguições religiosas. Agora, em lugar seguro, em Vila Velha, no Espírito Santo, ele e outros mais de 50 sírios relembram a situação do país e contam ao G1 como fazem para matar as saudades de quem ficou em um lugar devastado pela guerra. As alternativas diárias são as redes sociais e os sites de notícias locais.

A República Árabe Síria enfrenta, desde março de 2011, uma guerra civil que já deixou mais de 130 mil mortos, destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos. A ONG Missão em Apoio a Igreja Sofredora (Mais) recebeu, em um prédio alugado em Vila Velha, mais de 50 refugiados sírios desde novembro de 2013 até março de 2014. Entre eles estão engenheiros, cozinheiros, barbeiros, enfermeiros, advogados, estudantes e crianças.

Um dos refugiados, que tem medo de divulgar o nome, teme pelo serviço de inteligência do governo sírio. “Estávamos cansados da guerra. No começo eram apenas rumores, mas, nos últimos três anos, vivíamos para nos proteger. Eu gostava de seguir a Deus sem perseguições, mas lá o cristianismo não é bem aceito e por esta razão vivíamos numa ditadura, tudo era regrado e limitado. Não tínhamos liberdade para nada”, disse o sírio.

Ele contou que viu muita gente morrendo de fome. A água não chegava em todas as vilas e a energia elétrica só funcionava quatro horas por dia. “As pessoas vendiam os bens mais preciosos por pouco dinheiro para comprar comida que sustentaria por poucos dias. Não havia esperança, estávamos sem saída”, relatou.

família síria refugiada

Família Síria comemora adaptação de filho no Espírito Santo. Mãe relatou que Jack Abdallh fica desesperado ao ouvir porta batendo. “Pensava que eram bombas”, disse Lina Daraawi. Foto: Juirana Nobres / G1ES

Trauma
A enfermeira Lina Daraawi, de 34 anos, saiu de Damasco com o marido e o filho Jack Abdallh, de quatro anos. “Eu só pensava no nosso filho e sabia que não teríamos futuro. Todos que continuam na Síria vivem amedrontados. O Jack já estava perturbado. Ele viu muita coisa forte, gente morta e ficou impressionado. Para o bem dele, precisávamos sair o quanto antes. Quando chegamos aqui no abrigo, meu filho não podia ouvir uma porta bater que pensava que eram bombas, ficava desesperado”, contou.

Lina Daraawi contou ao G1 que a situação do filho é bem melhor. Ele recebeu atendimento psicológico e está mais sociável. “Agora o Jack consegue se comportar como um pequeno menino. Brinca, pula e conversa com todos. Ele não se assusta mais com qualquer coisa”, relatou a mãe.

Saudades
A internet é uma aliada para manter o contato com os familiares que ficaram na Síria. São pelas redes sociais que os refugiados conseguem saber notícias dos pais, avós e irmãos que ainda continuam no país.

Os sites de notícias locais também os mantêm informados diariamente. Mas segundo os sírios, o contato telefônico seria melhor, mas as ligações para a Síria sairiam caras demais.

“Nós gostaríamos mesmo era de ouvir a voz de quem ficou. Meus irmãos e meus pais ficaram lá. Falar e ouvir é diferente do que ficar na frente de um computador. Ficaremos daqui orando diariamente e pedindo por paz”, disse a mãe de Jack.

Um engenheira síria, que também está na casa alugada pela Ong, disse que sente falta da culinária arábe, mas nos finais de semana a cozinha da casa fica sob o comando dos sírios. “A comida brasileira é muito saborosa, mas sentimos falta da nossa. De vez em quando fazemos kibe e ‘marrash’, uma mistura de arroz, carne, tomate e abóbora. Até quem não é do nosso país, não resiste”, disse.

Homs

Cidade de Homs também foi atingida por bombas, relatou refugiado Sírio no Espírito Santo. Foto: Jhon Aldheam / Arquivo Pessoal


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