Neste dia 15 de março se completam três anos da rebelião contra o governo da Síria. A revolta começou com protestos pacíficos, mas virou guerra civil que já matou 140 mil pessoas e transformou nove milhões em refugiados – um terço deles em outros países, sobretudo Jordânia e Turquia. As divergências entre as grandes potências com relação à tragédia deixaram o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas quase paralisado diante da brutalidade do confronto, mas ainda resta espaço para a ação diplomática: a tarefa mais urgente é garantir o acesso dos sírios à ajuda humanitária e o asilo aos que fogem da devastação. O Brasil, lar de imensa comunidade sírio-libanesa, poderia desempenhar um papel de destaque nesses esforços – mas até agora tem sido pouco presente.
A Síria é governada desde a década de 1960 pelo Partido Baath e desde 1971 pela mesma família – Hafez al-Assad e seu filho Bashar. Originalmente, era um movimento nacionalista liderado por minorias religiosas (cristãos, alauítas), com uma agenda de reformas sociais e integração entre os países árabes. O regime passou por muitas transformações ideológicas ao longo de cinco décadas, lutou duas guerras contra Israel (1967 e 1973), ocupou militarmente o Líbano (1975-2005) e esmagou brutalmente uma revolta islâmica na cidade de Hama (1982). Vários grupos armados o enfrentam hoje: ativistas pró-democracia, irmandades religiosas (sobretudo da maioria sunita da população) e minorias étnicas, como os curdos.
Governo e rebeldes têm aliados estrangeiros que os auxiliam com armas e suprimentos, mas a ONU não autorizou nem embargos nem intervenção militar contra a Síria. O país é o mais importante aliado da Rússia no Oriente Médio, que tem usado sua influência para deter propostas nesse sentido. Os Estados Unidos e a União Europeia temem a possibilidade de que grupos religiosos radicais vençam a guerra civil. O impasse internacional só foi rompido quando o governo sírio foi acusado de ter usado armas químicas no conflito. Os presidentes americano e francês ameaçaram intervir e foi negociado um acordo pelo qual Assad aceitou entregar esse tipo de armamento às Nações Unidas, para ser destruído.
A situação militar é de intensa disputa entre o governo e as forças oposicionistas, como mostra o mapa, e todos os lados têm cometido numerosas atrocidades, tais como tortura, execuções, desaparecimentos forçados, bombardeio indiscriminado de áreas civis e violência sexual em massa visando à expulsão de famílias. A ONU estabeleceu uma Comissão Independente de Inquérito para a Síria, presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que também integra a Comissão Nacional da Verdade. A tarefa de ambas é parecida: investigar graves violações de direitos humanos. Contudo, Pinheiro e seus colegas não têm acesso ao território sírio e trabalham a partir de entrevistas com refugiados, jornalistas, acadêmicos e de outras pessoas que estiveram no país. Esses esforços podem render frutos no futuro, em eventuais processos por crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.
Estima-se que nove milhões de sírios necessitem ajuda humanitária – alimentos, remédios, abrigo – e que 250 mil civis estejam cercados por combatentes do governo ou da oposição. Um microcosmo desse drama é a região de Yarmouk, nos arredores de Damasco (foto que abre este post). Uma missão da Anistia Internacional constatou mais de 200 mortes por fome ou doenças. Os pesquisadores encontraram pessoas que não comem legumes e frutas há meses, e crianças que adoeceram por ter que se alimentar de cachorros. A organização Save the Children divulgou vídeo sobre o impacto dessas condições na vida das crianças.
No dia 22 de fevereiro de 2014 o Conselho de Segurança conseguiu sair de sua apatia e aprovou por unanimidade a resolução 2139 ordenando às forças do governo e da oposição que parem os ataques e cercos à população civil e que autorizem a entrega de ajuda humanitária. Nesse último aspecto, há melhoras, incentivadas também pelas negociações na Conferência Genebra II, que ocorreram em janeiro na Suíça.
A fragilidade da ação política internacional tem sido agravada pela escassez de recursos para a ajuda. A ONU estimou a quantia necessária em US$6,5 bilhões, mas uma conferência organizada para esse objetivo arrecadou menos da metade disso. Os maiores doadores foram Kuwait (US$500 milhões) e Estados Unidos (US$380 milhões). O Brasil prometeu doar apenas US$300 mil - aproximadamente, o valor de um ano de aluguel do apartamento em Nova York ocupado pelo embaixador brasileiro nas Nações Unidas, o ex-chanceler Antonio Patriota. O país tampouco se destaca pela acolhida aos refugiados:recebeu menos de 300 sírios.
Em diversos países a sociedade civil se mobiliza para pressionar seus governos a agir. Por este site, é possível acompanhar vigílias e atos públicos em vários continentes. Nas redes sociais, a hashtag #WithSyria marca as postagens que tratam do tema.