Cruzando um posto de controle

quarta-feira, abril 23, 2014

postodecontrole_Jerusalem_IKMRAlguns meses atrás, Abbas*, um menino de 14 anos de Hebron, na Palestina, foi atacado por soldados israelenses. Ele e o primo estavam a caminho de um vilarejo perto de Jerusalém para visitar o pai no trabalho. Na estrada, eles tiveram de cruzar um difícil posto de controle onde os soldados israelenses pediram que eles descessem do táxi. Eles seguiram as instruções dos soldados e ficaram surpresos que os soldados soltaram os cachorros em cima deles. Abbas ficou apavorado e começou a gritar. Algumas pessoas intervieram e ajudaram os meninos a se esconderem dos cães.

 

Sete meses depois, o pai de Abbas o levou para a clínica de Médicos Sem Fronteiras (MSF). Ele descreveu o filho como triste e solitário. Explicou ao psicólogo de MSF que o garoto estava sofrendo muito e que ele não podia sair de casa por medo. Ele havia deixado a escola, não conseguia se comunicar com ninguém, tinha pesadelos durante a noite e cobria sua cabeça com um boné o tempo todo.

 

Depois de encontrar com o menino, o psicólogo viu o quão profundamente depressivo e amedrontado ele estava. Ele não viria sozinho para o consultório; alguém da família tinha de acompanhá-lo até a entrada do prédio. No começo da terapia, ele não era capaz nem mesmo de escolher a atividade ou jogo que queria jogar. Ele estava sofrendo muito. Ele nem mesmo olharia para o psicólogo; dificilmente falava ou respondia quando era perguntado. Não fazia nada fora das sessões. Ficava em casa com o boné cobrindo o rosto. Estava triste o tempo todo. O psicólogo se sentiu frustrado no começo por não ter condição de ajudá-lo, especialmente porque ele nem conseguia falar ou brincar. Um acordo terapêutico foi feito com ele: o psicólogo o fez compreender por que ele estava na terapia. Esclareceu-se que o objetivo da terapia era ajudá-lo a se sentir como uma pessoa normal de novo e uma parte importante da família. Ele tem dois irmãos e uma irmã mais novos.

 

O psicólogo também se encontrava com o pai a cada três sessões e trabalhava com a família também. Eles tiveram de fazer Abbas sentir que ainda era um membro valioso da família e que poderia ser solicitado a assumir responsabilidades, o que o ajudaria a se sentir mais influente. Não foi fácil para o psicólogo trabalhar nisso com a família já que todos tinham pena de Abbas. Mas no fim, eles perceberam que Abas era o irmão mais velho e não o garoto atacado pelos cães dos soldados.

 

Abbas e o psicólogo começaram por um jogo chamado (xo), no qual um dos dois tinha que ganhar. Enquanto jogava, Abbas não podia se ver ganhando, parecia difícil ganhar. Ele estava muito triste e esclamou: “Não consigo ganhar!” A terapia continuou e o psicólogo teve dúvidas se o tratamento seria bem sucedido se o garoto não estivesse pronto para falar sobre o que aconteceu. Durante uma atividade chamada “caixa de sentimentos”, que é uma ferramenta que os psicólogos usam para fazer crianças falarem sobre seus medos por meio de desenhos ou usando objetos, Abbas finalmente falou sobre o que aconteceu e explicou o quão triste estava. Perguntou por que fizeram isso a ele. O psicólogo perguntou se ele queria dizer algo aos soldados e eles fizeram um teatrinho com alguns soldados de brinquedo. Ele começou a dizer: “Maldito! Por quê?” Ele expressou abertamente sua raiva.

 

Depois disso, Abbas foi para as sessões sem o boné. O psicólogo perguntou como ele se sentiu depois de tirar o boné e ele respondeu que toda a família estava feliz. Ele começou a brincar mais e mais com os irmãos e primos. A terapia acabou e o psicólogo se sentiu realmente feliz, mas estava triste ao mesmo tempo porque Abbas não pôde retornar à escola por causa do longo período de ausência.

 

Abbas está trabalhando agora com o pai e todos os dias cruza o posto de controle onde o incidente aconteceu.

 

* O nome foi trocado para proteger a privacidade do paciente.
Fonte: MSF

 


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