A União Europeia tem de penalizar a Grécia pelo seu fracasso em erradicar as rotinas e práticas generalizadas de expulsão de refugiados e migrantes que chegam às fronteiras do país em busca de proteção, segurança e um futuro melhor na Europa, insta a Amnistia Internacional.
No novo relatório da organização – intitulado “Greece: Frontier of hope and fear” (Grécia: Fronteira de esperança e medo) e divulgado esta terça-feira, 29 de abril – são avançadas novas provas do persistente tratamento indigno dado pelas autoridades gregas às pessoas que arriscam a vida para chegar a refúgio seguro na Europa.
Tal constitui uma violação direta das obrigações internacionais da Grécia em matéria de direitos humanos, pelo que a Amnistia Internacional, com base nesta investigação, insta a União Europeia (UE) a usar os poderes que lhe estão conferidos para iniciar procedimentos legais contra a Grécia por estar a falhar no cumprimento dessas mesmas obrigações.
“A forma como refugiados e migrantes são tratados nas fronteiras gregas é deplorável. Frequentemente, em vez de encontrarem santuário, dão de caras com violência e intimidação. Registámos casos em que são obrigados a despirem-se por completo, em que lhes foi roubado tudo o que tinham e em que foram mesmo ameaçados com armas antes de serem forçados a atravessar de novo a fronteira em direção à Turquia”, frisa o diretor do programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional, John Dalhuisen.
O relatório demonstra que são agentes do Estado que levam a cabo as expulsões coletivas, sublinha ainda este responsável: “São as autoridades gregas que têm a total responsabilidade por tais atos. São as autoridades gregas que têm de assumir publicamente que estas situações estão a acontecer e são as autoridades gregas que têm de garantir o fim destas práticas de expulsões ilegais e frequentemente perigosas”.
As expulsões coletivas de migrantes de volta à fronteira de onde tinham chegado constituem deportações ilegítimas de grupos de pessoas sem nenhuma avaliação das circunstâncias individuais e negam aos visados a possibilidade de requererem asilo. As expulsões coletivas estão expressamente proibidas nas leis gregas, nas leis da UE e nas leis internacionais.
A Amnistia Internacional entrevistou 148 migrantes e refugiados, entre setembro de 2012 e abril de 2014, sobre as experiências traumáticas e violentas que passaram ao tentarem entrar na Grécia. Quase metade destas pessoas declararam ter sido expulsas em grupo do país para a Turquia, em alguns casos mais do que uma vez.
Esta nova investigação da organização de direitos humanos revela que as práticas de expulsões em grupo são rotineiras e generalizadas na Grécia, sucedendo-se regularmente ao longo de toda a fronteira terrestre na região de Evros, no nordeste da Grécia, a qual é patrulhada por milhares de guardas-fronteiriços e parcialmente bloqueada por um muro com 10,5kms de extensão. Muitas outras pessoas foram expulsas das ilhas gregas de Lesbos, Chios e Samos, no Mar Egeu.
Expulsões maciças na fronteira terrestre entre Grécia e Turquia
Duas irmãs que tinham conseguido fugir da guerra na Síria descreveram à Amnistia Internacional a forma como elas e mais outras 40 pessoas foram tratadas por polícias gregos após terem passado a fronteira da Turquia para a Grécia.
Segundo estas testemunhas, um grupo de homens encapuçados e envergando uniformes azul escuro ou pretos acabaram por os pôr em barcaças e atravessaram o rio Evros, levando-os de regresso a território turco. Uma das duas irmãs sírias relatou: “A polícia (…) gritava-nos insultos e empurrava-nos. (…) Depois deixaram-nos com aqueles homens encapuçados, que ficaram com todo o dinheiro que tínhamos e com os nossos passaportes e nos levaram, em grupos mais pequenos, para os barcos e nos deixaram a todos do outro lado, em território turco, apenas com a roupa que trazíamos vestida”.
Vidas perdidas no mar
Um grupo de 11 afegãos e sírios, em que se incluíam oito crianças, morreram afogados quando um barco de pesca, em que seguiam 27 pessoas, afundou perto da ilha grega de Farmakonisi a 20 de janeiro passado. Dois dos sobreviventes, que perderam familiares naquele naufrágio, contaram à Amnistia Internacional que o barco afundou quando guardas-fronteiriços gregos o rebocavam a alta-velocidade de volta à Turquia. As autoridades gregas negaram que esta tenha sido uma operação de expulsão coletiva.
A 6 de março de 2014, agentes da guarda-costeira da ilha grega de Oinouses disparam munições reais contra uma pequena embarcação, com 16 cidadãos sírios a bordo e a qual se aproximava de território grego vinda da Turquia. Foram feridas três pessoas.
A guarda-costeira grega alega ter disparado em autodefesa e que o barco de refugiados estava a tentar chocar com o da patrulha. Os refugiados negam este relato e avançam que estavam todos de braços no ar para mostrar que não se encontravam armados e não constituíam nenhum perigo.
Um destes refugiados declarou à Amnistia Internacional: “Ao princípio pensei que disparavam balas falsas, mas depois ouvi alguém a gritar (…) e uma rapariga connosco no barco caiu ao chão coberta de sangue. Estávamos todos muito assustados. Era como se não tivéssemos conseguido fugir à guerra”.
A “Fortaleza Europa”
As atuais políticas da UE pendem sobretudo para a dissuasão e prevenção da migração irregular, muito mais do que em providenciar proteção àqueles que tanto precisam.
A Comissão Europeia atribuiu à Grécia entre 2011 e o fim de 2013 mais de 227 mil euros (exatamente 227.576.503 euros) para que o país mantenha os refugidos e migrantes fora das suas fronteiras, e apenas 19.950 mil euros de ajuda aos programas de receção a refugiados e migrantes durante o mesmo período de tempo.
Com a Europa a construir muros cada vez mais altos, os refugiados e migrantes têm de abarcar em rotas cada vez mais perigosas. Só no Mar Egeu morreram ou desapareceram pelo menos 188 pessoas, incluindo crianças e bebés, entre agosto de 2012 e março de 2014.
“A Grécia é um Estado de fronteira da ‘Fortaleza Europa’ e, apesar de os países terem a prerrogativa de controlarem as suas fronteiras, tal não deve nunca ser feito à custa de vidas nem da segurança daqueles que procuram desesperadamente proteção ou simplesmente uma vida melhor”, defende John Dalhuisen.
O diretor do programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional sustenta que estas expulsões em grupo de refugiados e migrantes feitas pela Grécia “constituem uma violação clara das leis da União Europeia”. “A Comissão Europeia tem de agir já e avançar com procedimentos legais contra a Grécia sobre esta prática vergonhosa, e pôr-lhe fim de uma vez por todas e para sempre”.
Fonte: Amnistia Internacional