Quase nove meses depois do ataque químico contra Ghouta, subúrbio de Damasco, hospitais da Síria registram incidência elevada de nascimento de bebês natimortos e com graves malformações congênitas
No lugar do nariz, duas grandes fendas. O rosto gigantesco, os olhos parecendo dois rasgos e a boca deformada. Fatma Abdul Ghaffar nasceu assim no dia 6, em Douma, na região de Ghouta, subúrbio de Damasco. Nove horas depois de vir ao mundo, teve a morte apressada pelos médicos, que consideraram inviável mantê-la viva. Os pais da menina creem que as malformações foram provocadas pelo ataque químico de 21 de agosto passado — a nuvem de gases letais teria matado pelo menos 1.400 pessoas. Médicos sírios confirmaram ao jornal britânico The Telegraph que a incidência de bebês natimortos em uma clínica para refugiados supera um em cada 10 nascimentos.
“Quando o ataque químico aconteceu, Marwa, minha mulher, inalou o gás e ficou doente. Nós a levamos a um posto médico, onde ela recebeu um banho e melhorou. Nosso bebê nasceu de um modo muito ruim e morreu na manhã seguinte”, lamentou Mahmoud Abdul, 26 anos, pai de Fatma, que rejeita outra explicação para a tragédia que abateu sobre a família. Também na terça-feira, Jood, uma bebê de 4 meses, morreu em um hospital de Idlib. Ela havia nascido sem a metade da perna esquerda e sem vários dedos. A mãe da criança estava com dois meses de gestação quando ficou exposta a gases em Homs, em julho.
Christine Gosden, professora do Departamento de Medicina Molecular e Clínica do Câncer na Universidade de Liverpool e uma das mais renomadas especialistas sobre armas químicas, afirmou ao Correio estar “profundamente preocupada” com o possível aumento de anormalidades em recém-nascidos sírios. “Com o auxílio de médicos iraquianos, britânicos e americanos, estudei os efeitos dos ataques de agentes químicos no norte do Iraque e em Halabja. Nossa equipe encontrou um aumento na incidência de graves defeitos congênitos em filhos de sobreviventes”, admitiu ela (leia o Três Perguntas Para).
De acordo com sírios consultados pelo Correio, ataques com o gás cloro teriam sido lançados sobre diferentes regiões do país no mês passado. “O último deles ocorreu em Harasta, a oeste de Douma, matando pelo menos seis pessoas. Os médicos acusaram as forças de Bashar Al-Assad de usarem a substância, que causa tremores, dificuldades de respiração e problemas neurológicos”, comentou Tariq Al-Damishqi, voluntário em um hospital de campanha de Ghouta. Ele contou que, recentemente, filmou um bebê morto por inanição. O ativista Maa’moun Abu Saqr, 25 anos, baseado em Ghouta Oriental, confirmou que Fatma nasceu em Douma, mas não soube dizer se o caso estaria relacionado ao ataque químico de nove meses atrás. “Não houve qualquer relatório médico oficial baseado em análises laboratoriais. Cerca de 70% das malformações congênitas ocorrem por razões desconhecidas”, admite. “Como Ghouta está sitiada há mais de um ano, a desnutrição de gestantes tem levado muitos bebês à morte.”
Fonte: Correio Braziliense