Em Maio, costumo escrever sobre as Crianças Desaparecidas, porque cada vez mais Países assinalam o dia 25 de Maio para lembrar todas as crianças raptadas por esse mundo fora, quase todas com fins de exploração sexual
A exploração sexual é o flagelo associado quase sempre ao Desaparecimento das crianças. São aos milhares as crianças que da Europa aos Estados Unidos, da África à Ásia, da América Latina ao Brasil e ao Canadá são traficadas para fins de exploração sexual.
Mas claro que este ano o nosso pensamento está com as cerca de trezentas meninas sequestradas no Nordeste da Nigéria, roubadas durante a noite, enquanto dormiam, das instalações anexas à escola, que de espaço de paz e tranquilidade, foi assim transformada num lugar de pesadelo.
O grupo raptor entende dever ser negado o direito das meninas a frequentarem a escola e por isso, arroga-se o direito de as manter em cativeiro, reduzindo-as à escravidão.
Esta visão das mulheres despojadas de direitos, como se fossem coisas, é ainda muito generalizada em diversas partes do mundo, e radica em conceções contrárias à Declaração Universal dos Direitos Humanos que estatui que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Saliento que a publicação no Diário da República da Declaração Universal, que só foi ratificada por Portugal em 1978, continua a revelar, através do título adotado -”Declaração Universal dos Direitos do Homem”-, que na altura a linguagem sexista não incomodava os decisores.
Na verdade, quando leio “Direitos do Homem”, lembro-me sempre de Olympe de Gouges, curiosamente nascida também em Maio, autora da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, por considerar injusto que na Revolução Francesa tivessem sido excluídas as mulheres da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Olympe de Gouges, que era anti-esclavagista e contra a pena de morte, defendia o direito de voto das mulheres, o direito a disporem dos seus bens, e defendia já nessa altura a não discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos, o que era verdadeiramente pioneiro, se nos lembrarmos que entre nós, só depois do 25 de Abril, a Constituição da República veio a consagrá-la. As suas ideias eram demasiado inovadoras e durante o período de terror, em 1793, veio a ser executada pela guilhotina.
No fundo, se bem repararmos, a negação do direito à liberdade de pensamento está sempre na base de todas as ações reivindicadas por grupos extremistas. Porque a liberdade de pensamento não faz sentido sem o direito à sua livre expressão e essa só consegue ser posta em prática com o complementar direito à educação, que vai permitir desenvolver o espírito e claro, ler, escrever e comunicar. Por isso, a proibição das meninas irem à escola é apenas o meio para ser alcançado o fim da sua autonomia e da sua emancipação. Por isso, quando a educação não é tolerada, é todo um conjunto de direitos que é atingido, desde o direito à cultura até ao direito ao desenvolvimento pessoal, à autonomia e à felicidade.
Quando Malala foi baleada, não foi apenas porque frequentava a escola, mas porque, através do seu blogue apelava a que todas as crianças, sem distinção de sexo, tivessem reconhecido esse direito, utilizando a palavra como instrumento ao serviço da causa do Direito à Educação.
Daí que, quando soube que lhe tinha sido atribuído pela União Europeia, com todo o mérito, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, tenha também achado muitíssimo adequado, porque era esse sobretudo o direito que move os ódios, porque é ele a causa do desenvolvimento de todos os outros.
Desde que foram raptadas as meninas nigerianas, Malala tem estado presente diariamente, no apelo às autoridades, nas exigências aos raptores, no clamor para que regressem, sãs e salvas, na divulgação de imagens de solidariedade e mais recentemente no apoio concreto a organizações da Nigéria cuja atividade promova o direito à educação das meninas.
Neste mês de Maio, embora jamais esqueça os horrores a que estão sujeitas as crianças desaparecidas, retiradas do ambiente acolhedor a que teriam direito, num mundo que as respeitasse, achei que seria oportuno lembrar também este Direito maior, estruturante das Democracias, o Direito à liberdade de expressão do pensamento.
E decidi também homenagear Malala, incansável no seu compromisso permanente com esta causa, que é afinal a causa nobre dos Direitos Humanos.
Fonte: Visão