A atuação de MSF, em meio a dois meses de confrontos na região
© Andrea Spaett/MSF
Na quarta-feira, 30 de abril, novos confrontos irromperam em Nyabiondo, na região de Masisi, província de Kivu do Norte, leste da República Democrática do Congo (RDC). Os combates entre as forças armadas do país (FARDC) e a Aliança Patriótica por um Congo Livre e Soberano (APCLS) resultaram em muitas mortes, ao menos uma delas de um civil, e causaram o deslocamento de milhares de pessoas. Mais de um milhão de pessoas deslocadas estão vivendo em Kivu do Norte. Duas mil pessoas estão vivendo em diversas localidades por toda Nyabiondo, incluindo o centro de saúde da cidade, onde a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) está prestando suporte ao Ministério da Saúde na oferta de cuidados de saúde. Nesta entrevista, o médico Emmanuel Lampaert faz uma reflexão sobre o trabalho realizado nos últimos dois meses.
Após os confrontos em 30 de abril, as pessoas começaram a fugir…
Quando cheguei a Nyabiondo, pouco depois do início dos embates, havia pessoas no entorno do local onde estávamos baseados. Abrigamos cerca de 700 delas, incluindo famílias inteiras. As pessoas estavam com medo da violência e buscaram refúgio em lugares que consideram seguros: nossa casa, o centro de saúde, a igreja e os complexos de outras organizações internacionais.
Respondemos, primeiramente, ao que era mais urgente, na tentativa de garantir condições básicas de higiene com a instalação de latrinas. Depois de alguns dias, as famílias começaram a voltar para casa. Levou algum tempo, após o fim dos confrontos, para que as pessoas começassem a se sentir seguras. Esse sentimento não surge automaticamente logo que não se ouve mais o som dos tiros. Além disso, casas foram saqueadas e incendiadas e homens armados estavam ocupando centenas de habitações. As pessoas precisaram de tempo para se sentir seguras o suficiente para voltar para casa.
Como as pessoas estão lidando com essa situação?
É uma situação insustentável. Começamos o projeto no hospital geral de Masisi em 2007 por causa dos confrontos. Por dois meses, a situação tem estado muito volátil. Há cada vez mais embates na região noroeste. Algumas famílias em Nyabiondo tiveram de fugir quatro vezes em dois meses. Eles estão cansados de fugir. Estão amedrontados também. Diariamente, escutam helicópteros sobrevoando a área, as casas são saqueadas. Tudo isso é extremamente traumatizante para as pessoas.
Quais são os riscos relacionados à saúde?
Quando as pessoas fogem para o meio da mata, têm muito pouco acesso a cuidados de saúde. Isso se reflete em nossos números: em janeiro, tratamos 49 pacientes com malária grave; em fevereiro, foram 59; e, em março, devido aos confrontos, internamos apenas 19. As pessoas não ousam vir a centros de saúde ou clínicas móveis. Elas vivem no mato, sem água potável ou abrigo para se protegerem das chuvas. O risco de desenvolverem doenças que não podem ser tratadas ali é enorme. Nossa maior preocupação são as crianças que pegam malária na mata e não recebem o tratamento de que precisam.
As pessoas foram feridas?
Tratamos oito pessoas feridas nos confrontos de 30 de abril, que foram encaminhadas para o hospital geral de Masisi. Houve também casos de violência sexual. Infelizmente, essa é uma realidade no território de Masisi. Sabemos que nem todas as mulheres buscam ajuda, ou só o fazem depois de um momento de calma nos confrontos. Elas deveriam receber o tratamento adequado e prevenir o risco de transmissão da Aids, por exemplo, em até 72 horas após o ataque. Quando elas vêm até nós, recebem cuidados, seus ferimentos são tratados e oferecemos suporte psicológico. Vítimas de violência sexual precisam ter acesso a cuidados de saúde de qualidade sem medo de represálias ou rejeição. Constantemente, nós lembramos todos os combatentes que os centros de saúde e hospitais são território neutros. As pessoas precisam conseguir buscar ajuda sem temer por sua segurança.
Tratamos, principalmente, os efeitos indiretos da violência, que consistem na essência de nosso trabalho. As pessoas não vão ao médico a tempo quando desenvolvem doenças ou vivem em condições que favorecem o desenvolvimento de doenças.
Quais os desafios para MSF?
Desde meados de fevereiro, confrontos recorrentes têm acontecido no noroeste de Masisi, e estamos muito preocupados com a comunidade local. Devido às condições de segurança, poucas ONGs estão presentes ali. Nós somos a única organização oferecendo cuidados de saúde. As necessidades são imensas, principalmente no que diz respeito a cuidados de saúde primária. A situação no território de Masisi permanece extremamente grave e preocupante. Todos os envolvidos no conflito precisam garantir acesso sem riscos associados para que ONGs humanitárias possam continuar o trabalho na região e levar cuidados às pessoas que mais precisam.
Fonte: MSF