Os palestinos refugiados em campos ao redor de Belém, na Cisjordânia, esperam que a visita do papa Francisco ajude a resolver o conflito que se estende por anos no Oriente Médio.
A comunidade local acredita que o ex-arcebispo de Buenos Aires quer tentar ultrapassar um problema regional que se agrava cada vez mais: o fundamentalismo islâmico, agora também somado a casos de vandalismo cometidos supostamente por judeus ultraortodoxos.
Mas é outro desafio que está ainda mais próximo a eles: o impasse no processo de paz entre israelenses e palestinos.
É pensando nessas dificuldades que na pequena vila de Dheisheh, pessoas preparam o local sem flores ou ornamentos especiais para a passagem de Francisco. São cartazes que estão espalhados por todo lado.
“Colocamos imagens antigas impressas no plástico e sobrepostas com fotos coloridas. Usamos a arte para mostrar que o sofrimento de mais de 60 anos continua”, afirma Jack Persekian, diretor do Museu Palestino, envolvido nos preparativos.
As montagens vão fazer parte do instituto ainda em construção nos territórios palestinos.
Antes de se despedir de Belém, o papa Francisco virá a Dheisheh, onde vai se encontrar com as crianças dos maiores campos de refugiados na área: Dheisheh, Aida e Beit Jibrin. O rápido encontro será no Phoenix Center, o salão social da região.
Serão apenas 20 minutos de visita, mas os refugiados, de maioria muçulmana, dizem ser o suficiente para a mobilização local.
“Quando ele olhar para os refugiados, sentirá a urgência para uma solução ou para ajudar-nos a lutar por ela”, disse Muhammad Ilham, chefe do campo de refugiados, que agora vai receber o quarto papa na comunidade com a visita de Francisco.
Todos os papas que visitaram a Terra Santa passaram por Dheisheh: Paulo 6º, em 1964; João Paulo 2º, em 2000 e Bento 16, em 2006.
“Ele não vem como líder espiritual, mas como chefe de Estado, soberano. Desta vez é diferente, por não ser um papa europeu, mas latino-americano e isso quer dizer para mim que ele é dos pobres”, acrescenta o líder local.
A expectativa da viagem a Amã, Belém e Jerusalém, de sábado (24) até segunda-feira (26), se tornou popular nas comunidades muçulmana, judaica e cristã. Não há divisão local entre cristãos e muçulmanos aqui.
“Sofremos juntos, morreremos juntos”, completa Muhammad. “Nos olhos de Israel não há distinção, vão todos para a mesma prisão.”
Sâmia, uma comerciante palestina, mora em frente ao salão social e está ansiosa para ver o papa de perto, apesar de ser religiosa muçulmana. Ela é da terceira geração de refugiados.
“A visita vem em bom momento para nós, quando a religião vem sendo abusada com ataques”, define a comerciante em referência à onda crescente de ataques contra cristãos e árabes na região.
Também irão a Belém um rabino e um professor muçulmano, Abraham Skorka e Omar Abbud, amigos do papa de longa data desde Buenos Aires. Eles acompanharão Francisco na visita ao berço do Cristianismo.
De acordo com o papa, o diálogo inter-religioso pode aproximar fatores políticos irreconciliáveis e mostrar que a religião não é um fator de ódio.
Em Belém, depois de ser recebido pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, um carro aberto vai levar Francisco à praça da Manjedoura (no local que marca o nascimento do menino Jesus), para a missa mais esperada da viagem.
A celebração tem prioridade de entrada para palestinos e não para os milhares de turistas esperados na Terra Santa. Tudo isso devido à dificuldade ou impossibilidade, em muitos casos, de saída dos árabes desta região.
Refugiados
O detalhe de ser refugiado palestino é que os filhos também são considerados parte deste grupo. Eles começaram a chegar ao local em 1948 e 1949, quando Israel estabilizou suas fronteiras. Os palestinos são os únicos no mundo que o número de refugiados cresce com o passar dos anos: as crianças que vão nascendo também são consideradas parte deste grupo.
No início, eles viviam em tendas e casas improvisadas. Ao saber que levariam por muito tempo o rótulo de refugiados, começarem a construir casas, muitas delas hoje com dois andares e até edifícios.
Eles perderam a identidade, enfrentam o preconceito dentro da própria Cisjordânia por deixar a cidade de origem e fugir da guerra e sentem-se perdidos ao saber que as chances de voltar a Israel são atualmente inexistentes. Israelenses já classificaram a situação como uma exigência palestina descabida.
“Queremos mostrar que os refugiados possuem a mesma dignidade de outros seres humanos. Suas dores e sofrimentos são parte da dor que o mundo inteiro sente”, conta o diretor do Museu Palestino, obra que também será apresentada a Francisco.
Ataques recentes
Forças israelenses e grupos com aproximadamente 20 jovens palestinos do campo de refugiados de Aida se enfrentaram em março deste ano.
Houve tentativa de incêndio em uma das torres de vigilância do muro que separa Israel da cidade da Cisjordânia. Segundo ativistas do campo, cerca de 12 jovens foram atingidos pelos disparos e vários foram detidos em incursões noturnas das forças israelenses.
O local, parte do complexo que o papa vai visitar, está próximo ao túmulo de Raquel, um lugar bíblico cercado em três lados pela muralha.
Os palestinos querem um Estado plenamente soberano e independente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, com a capital em Jerusalém Oriental. Israel quer um Estado palestino desmilitarizado, presença militar no Vale da Cisjordânia da Jordânia e manutenção do controle de seu espaço aéreo e das fronteiras exteriores
Os palestinos querem que Israel saia dos territórios que ocupou após a Guerra dos Seis Dias (1967) e desmantele por completo os assentamentos judeus. Qualquer área dada aos israelenses seria recompensada. Israel descarta voltar às fronteiras anteriores a 1967, mas aceita deixar partes da Cisjordânia se puder anexar os maiores assentamentos. Israel já retirou tropas e população da faixa de Gaza.
Israel anexou a área árabe da Jordânia após 1967 e não aceita a dividir Jerusalém por considerar o local o centro político e religioso da população judia. Já os palestinos querem o leste de Jerusalém como capital do futuro Estado da Palestina. O leste de Jerusalém é considerado um dos lugares sagrados do Islã. A comunidade não reconhece a anexação feita por Israel.
Há cerca de 5 milhões de refugiados palestinos, a maioria deles descendentes dos 760 mil palestinos que foram expulsos de suas terras na criação do Estado de Israel, em 1948. Os palestinos exigem que Israel reconheça seu “direito ao retorno”, o que Israel rejeita por temer a destruição do Estado de Israel pela demografia. Já Israel quer que os palestinos reconheçam seu Estado.
Israel teme que um Estado palestino caia nas mãos do grupo extremista Hamas e seja usado para atacar os judeus. Por isso, insiste em manter medidas de segurança no vale do rio Jordão e pedem que o Estado palestino seja amplamente desmilitarizado. Já os palestinos querem que seu Estado tenha o máximo de atributos de um Estado comum.
Israel controla a maioria das fontes subterrâneas da Cisjordânia. Os palestinos querem uma distribuição mais igualitária do recurso.