A imagem de um pai entregando o filho ao piloto de um avião da TAAG que o recebeu pela janela do “cockpit” vai ficar para sempre gravada na minha memória, como aquela de crianças às costas de outras crianças, em fuga depois de um ataque mortífero à sua aldeia no Bunjei.
Os habitantes de Malanje tinham sido ameaçados por Savimbi que quando tomasse o poder, haviam de puxar o comboio com os dentes, até Luanda. O cerco e bombardeamento da cidade foi uma das mais violentas etapas desse percurso que, para bem da Humanidade, nunca chegou ao fim. O rebentamento dos obuses levou milhares de civis à fuga desesperada. A imprensa portuguesa tinha um repórter dentro de Malanje, que ia dizendo onde caíam os obuses, e os atiradores ajustavam a mira, até para o Hospital.
O último avião da TAAG que levantou voo de Malanje estava cheio de mulheres e crianças. As portas fecharam-se. Um pai desesperado, com o filho ao colo, suplicou ao piloto que lhe tirasse a criança daquele inferno. O comandante abriu a janela do “cockpit” e recebeu-a. Cá fora, o pai chorava. Provavelmente, foi aquele o último momento em que viu a sua criança. O comandante da TAAG, também chorava. O menino, transido de medo, lançava um olhar vazio para tudo à volta, sem perceber porque razão o pai lhe negava o colo.
Milhares de crianças angolanas viveram momentos angustiantes como aquele que eu vi em Malanje. Mais tarde, ficámos a saber que os malanjinos resistiram heroicamente às investidas militares, mas os bombardeamentos mataram mães, crianças e idosos. Os homens válidos defenderam, muitos até à morte, a sua cidade.
Luanda passou então a ser o lar de centenas de crianças que fugiram da guerra, sem os pais ou qualquer familiar próximo. A propaganda de Jonas Savimbi mostrava em Portugal os “meninos de rua” como exemplos de um país que não sabe cuidar das suas crianças, mas não dizia quem eram os culpados dessa tragédia. Muito menos perceberam que as ruas da capital eram melhor para elas do que serem o alvo dos obuses.
Júlio César um dia chegou com os seus soldados, famintos, cansados e sequiosos, a uma lagoa inquinada de cadáveres. E todos se deliciaram com aquela água. Pudera, não havia outra! Os nossos “meninos de rua” saíram do inferno provocado em mais de 75 por cento de Angola pelos 20.000 soldados que os seguidores de Savimbi esconderam nas bases secretas do Cuando Cubango quando as FAPLA foram extintas e Angola não tinha Forças Armadas organizadas. As crianças refugiadas de Angola encontraram nas ruas de Luanda a tábua de salvação.
Essa tragédia custou muitas lágrimas, muito luto, sangue e dor. Mas os angolanos venceram.
Hoje as nossas crianças não entram nos aviões pelas janelas, não fogem das suas casas, não perdem o contacto com as famílias. Têm escolas, professores, merenda escolar, espaços de lazer, centros médicos, hospitais. E, sobretudo, vivem em paz.
Depois da tempestade de morte e destruição desencadeada pelo exército escondido de Jonas Savimbi, o Governo assumiu “11 compromissos” para com as nossas crianças e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) foram atingidas antes do prazo, no que diz respeito à saúde materna e infantil. O Programa Nacional de Vacinação atinge milhões de crianças todos os anos.
O combate à pobreza em Angola é elogiado por organizações internacionais, e elas têm razões para isso. Milhões de famílias têm hoje o mínimo para viver com dignidade. Mas o país não pode ficar por aqui. Há ainda 30 por cento de angolanos que vivem na pobreza e têm de sair dessa condição urgentemente e há ainda quem queira regressar ao passado.
Por isso mesmo, o Estado Social tem de ser construído e alargado a todo o lado para que as “forças negativas” em Angola não vinguem. À medida que se estende o combate à pobreza, mais crianças têm acesso à escola, à saúde, à alimentação, ao lazer, a uma habitação digna. Todas as políticas sociais adoptadas pelo Executivo acabam por ter um impacto forte na vida das crianças angolanas. Todos os dias, há técnicos a trabalhar para que cada criança seja feliz e tenha um sorriso no rosto.
A felicidade das crianças angolanas é um objectivo nacional e a sociedade está fortemente mobilizada para que ele seja cumprido em toda a sua plenitude. O Hospital Dr. António Agostinho Neto, no Lubango, criou um espaço lúdico para as crianças internadas no Serviço de Pediatria. Não há melhor sinal da mudança em Angola. Os hospitais são espaços de dor e sofrimento e, para atenuar essa realidade, às crianças doentes foi dado um local especial onde têm jogos, livros e ouvem contar histórias.
Toda a província da Huíla vai ter nos seus hospitais um espaço lúdico para as crianças internadas. Isto sim, é verdadeiramente a humanização da saúde. E é com gestos como este que se forja a reconciliação nacional. As palavras sem conteúdo valem tanto como o vento que passa. As declarações de fidelidade aos princípios da reconciliação nacional de nada valem, quando a prática é absolutamente contrária. Quem tem sempre um exército de ódio e ressentimento militarista escondido na cabeça, pronto a disparar o insulto e a discórdia, em vez de desenvolver a política do bem comum, bem pode falar de paz e reconciliação, que ninguém vai acreditar.
Hoje, Dia Mundial da Criança, é uma boa data para tirar todos os exércitos da violência e do ódio dos seus esconderijos, para que as crianças angolanas cresçam em paz, tenham educação, saúde, alimentação, vestuário e uma família que as ame. O amor que só existe nos corações sem ódio nem ressentimento. Essa é a melhor prenda que hoje podemos dar à Criança Angolana. Em todos os outros dias, as nossas crianças têm a sociedade velando pela sua felicidade.
Fonte: Jornal de Angola