Retirando crianças ao longo de uma perigosa rota na Ucrânia

terça-feira, junho 17, 2014

Motoristas voluntários transportam mães e filhos para fora das cidades conflagradas do Leste ucraniano

Na janela de um microônibus, as expressões tensas de mães e filhos em fuga do Leste da Ucrânia - AP / Andrey Petrov

Na janela de um microônibus, as expressões tensas de mães e filhos em fuga do Leste da Ucrânia – AP / Andrey Petrov

Slaviansk, Ucrânia — Era uma viagem que nenhuma mãe gostaria de fazer. Mas, diante das poucas opções, um grupo de mulheres e crianças amontoado em uma minivan pegou a perigosa estrada para fora da cidade, a caminho de um lugar mais seguro.

A viagem iria passar por postos de controle de separatistas pró-Rússia e do exército ucraniano, e uma terra de ninguém entre eles. A única proteção dos passageiros era folhas de papel, onde estava escrito: “crianças, crianças, crianças”, coladas ao redor da minivan.

Várias minivans para “crianças” estão agora operando em Slaviansk, todas conduzidos por voluntários, com o objetivo de tirar as crianças da cidade sitiada e do alcance de fogo da artilharia e dos apreensivos atiradores.

Na viagem, ao todo, 22 mulheres e crianças lotavam o minivan de oito lugares, ciente dos perigos inumeráveis à espreita. Um ônibus cheio de crianças foi sequestrado por separatistas na semana passada e levado para a Rússia. Entre os motoristas de vans que levam crianças, histórias de tiros de advertência são abundantes.

Com os passageiros dentro, as portas da minivan azul se fecharam. Um marido acenou da calçada e gritou:

— Não se preocupe, tudo vai ficar bem.

Milícias pró-Rússia lutam contra o Exército ucraniano, no Leste da Ucrânia, desde abril. Nas cidades conflagradas, como Slaviansk , controlada por separatistas, mas cercada pelo Exército, pessoas com crianças buscam uma saída. O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, pediu a criação de um corredor de escape para permitir a saída dos civis. Mas as negociações entre o governo e os separatistas, mediada pela ONU e por outras instituições, se arrastam.

Alguns moradores têm medo de sair, preocupados com as propriedades. Para levantar dinheiro, os separatistas tomam e alugam apartamentos abandonados, os chamados “broshenki”. Um anúncio na internet oferece um “bom boa broshenki de dois quartos, com a maioria dos móveis ainda intacta”, em Slovyansk.

Sair das cidades conflagradas está na mente de muitas pessoas, e os microônibus são uma opção, mas apenas para mães e crianças. Os motoristas não aceitam pais ou outros homens, porque não querem permitir qualquer possibilidade de acusações de que estão transportando combatentes em ônibus para crianças. Os homens podem, entretanto, sair e entrar na cidade em carros particulares.

Natasha N. Povazhnaya, que organizou uma viagem de minivan, vendia sapatos em um mercado antes de os confrontos começarem. Mas, como os outros voluntários, cita uma história pessoal para explicar o altruísmo:

— Minha mãe morreu quando eu tinha 8 anos — recorda Povazhnaya. — Eu sei o que é querer uma mãe. Para colocar sua cabeça no ombro de alguém. É tão difícil quando você está sozinho. Mesmo quando é a criança de outra pessoa que chora, eu quero fazer de tudo para que ela não chore.

Agora, ela faz a viagem de ida e volta, partindo de Slovyansk, diariamente.

A viagem dura duas horas desesperadoras. Alguns vão para Donetsk, outros para uma cidade em Kharkiv, região da Ucrânia onde voluntários abrem os apartamentos para receber refugiados por um dia, para, em seguida, mandar as mulheres e crianças para acampamentos de verão na Crimeia, agora controlada pela Rússia, que estão acolhendo aqueles que fogem do Leste da Ucrânia.

Na última quinta-feira, rebeldes pró-russos desviaram um ônibus que transportava crianças de um orfanato na região de Luhansk, e se dirigia para a cidade ucraniana de Dnepropetrovsk, para a região de Rostov, na Rússia. O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia imediatamente ameaçou entrar com um processo no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, exigindo a devolução dos órfãos. As autoridades russas prometeram colocar em um voo as crianças rumo ao destino original, na Ucrânia.

O motorista voluntário, Sergei Pozhidayev, 43, dirigia um clube de carros clássicos antes do conflito. Seus olhos brilhavam quando falava acerca de um Buick 1953. Em maio, ele viajou de Donetsk a Slaviansk para distribuir brinquedos a crianças, pensando que seria uma única viagem. Agora, ele dirige uma minivan em tempo integral.

— Eu vi os olhos delas e percebi que eu tinha que voltar por elas — disse Pozhidayev em entrevista numa barreira na estrada, em Bylbasivka. — Já transportei 91 pessoas, incluindo um bebê de 12 dias de idade. Tinha que ajudar. Não podia deixá-los aqui. Todos nós temos que tomar uma decisão em algum momento, e pensar por fomos colocados nesta bola azul. Isto é o que eu faço.

Fonte: O Globo


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