Em Portugal estão detidos, neste momento, cinco adultos em prisão preventiva, reporta a imprensa lusa. Somam-se a outros e no total há 11 arguidos, mas as investigações continuam em parceria com o Departamento Central de Investigação e Acção Penal e o Serviço de Migração e Estrangeiros e Investigação Criminal de Angola. São indiciados prática do crime de tráfico de pessoas, falsificação de documentos e auxílio à imigração ilegal.
Há também nove crianças acolhidas em lares, aguardando a decisão das autoridades dos dois países. São crianças que integravam grupos de menores detectados ao longo do corrente ano: três em Janeiro, dois em Março, três em Maio, etc.
Entram com passaportes falsos, acompanhados por “passadores de menores” como lhes chama o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal. Traficantes semelhantes aos passadores de qualquer outra “mercadoria” ilícita, nomeadamente droga.
“Uns trazem drogas, outros crianças, mas a lógica é semelhante”, explicou, ao Público, o director nacional adjunto do SEF português, José van der Kellen. São apenas correios e pouco ou nada sabem sobre o esquema do tráfico.
Na realidade, escreve esse jornal, “as autoridades ainda não perceberam bem a que se destina o tráfico: adopção, exploração sexual ou servidão doméstica.” O que sabem, de acordo com a mesma fonte é que são pessoas viajadas, que agem com naturalidade e desenvoltura quando lhes é pedido algum esclarecimento. E que cobram entre quatro a seis mil euros pelo serviço, estima o SEF.
Uma fonte da investigação afirmou ao Expresso que “geralmente é para exploração sexual ou laboral, mas neste caso a hipótese mais forte é a integração das crianças em famílias, espécie de adopção ilegal para que recebam de forma fraudulenta benefícios sociais e subsídios por terem menores a cargo, em países onde o Estado é mais generoso”.
Também se sabe que não há apenas um grupo e embora venham de Angola, o inspector do SEF acredita que “são de origem cultural muito mais próxima da francofonia – são da República Democrática do Congo, do ex-Zaire, do Norte de Angola”. O destino é sobretudo França e Bélgica, embora o Reino Unido surja também na lista.
O fenómeno andava a ser observado sob mira curta, há meses, mas ganhou mediatismo em Maio quando um homem foi detido no segundo maior aeroporto do país, o aeroporto Sá Carneiro, no Porto. Aconteceu a 9 desse mês quando o indivíduo que viajava com três crianças de 4, 12 e 13 anos, foi interceptado e detido. As crianças viajavam com documentos “alheios e falsificados” e não tinham nenhuma relação familiar com o adulto.
Cronologia de um problema
O primeiro caso conhecido remonta a finais de Janeiro de 2014, quando foi detido um homem que viajava com uma criança de 10 anos e dois adolescentes de 15. De acordo com o jornal Público, a rota seguida era Luanda – Libreville – Casablanca – Lisboa – Paris.
Afirmou ser pai e tio dos menores. Pressionados pelos guardas de fronteira acabou por confessar não só não ter qualquer tipo de parentesco como iria receber “milhares de euros”, pagos pelas famílias, para acompanhar aquelas crianças até ao destino final. Não era a primeira vez. Já entrara em Portugal com outros menores. Seis vezes, segundo o Correio da Manhã, e sempre com crianças diferentes. No dia seguinte, um novo homem que viajava com crianças portadoras de documentos falsos (pertencentes a outros menores) foi igualmente detido. A origem era também Luanda.
Outro caso foi detectado numa fase mais avançada do processo de tráfico. Uma passadora fez-se passar por mãe de dois meninos e uma menina. Conta o semanário Sol, citado pelo Público, que a mulher aterrou em Lisboa a 18 de Fevereiro. Mulher e crianças foram mudando de sítio e de identidade – algumas crianças ficam apenas dias em Portugal, outras ficam meses. Um mês mais tarde o esquema foi desmontado quando um “intermediário” tentou obter documentos portugueses para as crianças na Conservatória do Registo Civil da Amadora. Para tal, tentou usar as certidões de nascimento dos filhos de um angolano residente em Portugal.
O SEF abortou diversas outras tentativas de tráfico. Uma outra, também relatada na agência Lusa, ocorreu em Março quando um homem – são quase sempre homens – que viajava com duas crianças de 10 anos foi interceptado no aeroporto da capital. As certidões de nascimento encontradas na bagagem desmentiram a versão de que era “pai delas”.
O Correio da Manhã relata ainda a detenção de uma mulher, ocorrida no ano passado na Bélgica e resultado de uma estreita cooperação entre as autoridades aeroportuárias europeias. Na altura da detenção, a suspeita já teria transportado bebés por vários países. Foi vista várias vezes no aeroporto Sá Carneiro, e as câmaras de segurança mostraram que, de cada vez que por aí passava, levava um bebé diferente. Nunca aparecia grávida nas filmagens e tantas crianças em curto espaço de tempo provavam ser impossível levar a cabo as gravidezes. O CM acrescenta que no âmbito da detenção desta mulher, alguns médicos em Portugal foram investigados pois a suspeita entrou num hospital, conseguiu registar um bebé como português e saiu. A criança desapareceu.
Travar o fluxo
Entretanto, o SEF português trocou “informação operacional com as autoridades angolanas” tendo já recolhido informação “substantiva e variada”. Quem o diz é também José van der Kellen ao Público, que adianta que depois de analisado cada caso, os envolvidos no esquema já começaram a ser recambiados para a origem.
“É importante dar um sinal a quem controla aquele tipo de fluxo e de organização. Se continuarmos a deixar entrar, o fluxo não pára”, disse ainda aquele responsável.
Agora, já “percebem que por Portugal é um bocado difícil, que as pessoas estão atentas,” considera o director nacional adjunto do SEF português, confiante de que agora está tudo sob controlo.
Em Maio, o ministro do Interior angolano, Ângelo Veiga Tavares, em visita a Lisboa, garantiu igualmente que o seu país está a tomar medidas de contenção para evitar o tráfico de seres humanos. As declarações surgiram no rescaldo da referida detenção do indivíduo que “passava” três menores.
O governante disse porém, citado pelo Africa 21, que ninguém foi preso em Angola no âmbito deste caso específico, que está a “ser tratado em Portugal”. “No quadro da investigação criminal, quanto menos se falar, melhor”, sublinhou.
Pressão migratória
Há mais de 1,2 milhões de crianças traficadas no mundo a cada ano, segundo dados da UNICEF.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2012, um documento português que evidencia que, se por um lado, a crise tornou Portugal um destino menos atractivo para a imigração ilegal, por outro, tornou o país lusófono europeu numa apetecível plataforma de trânsito das redes. “De 7 casos em 2010 subiu-se para os 49 de 2013”, resume o Expresso, mostrando o aumento.
“De acordo com o mesmo documento, previa-se que a pressão migratória de África sobre a fronteira aérea portuguesa possa aumentar, sendo um dos motivos as comunidades de imigrantes desta origem que já estão aqui instalados e servem de ponto de apoio. O SEF considera de “elevado risco”, cita o DN, os voos com origem em Bissau, Bamako, Luanda, Acra, Dacar e Casablanca.
Aliás, essa rota africana já identificada é que neste ano de 2014 tem apresentado mais casos, como já referido.
Cabo Verde
E Cabo Verde? Cabo Verde não aparece referenciado nas notícias lusas sobre o tráfico de menores que entram na Europa por Portugal. Nem tão pouco aparece no RASI, mas de acordo com o relatório do Departamento de Estado norte-americano, de 2012, “ é um país de origem de crianças submetidas a trabalhos forçados e a tráfico sexual no país e, por vezes, uma fonte de tráfico de pessoas para o Brasil, Portugal e outros países europeus para transporte forçado de drogas.”
“Entre 2010 e 2012 foram identificadas na Guiné três vítimas de tráfico cabo-verdianas”, refere ainda.
De acordo com o mesmo documento, o governo de Cabo Verde não cumpriu integralmente as normas mínimas para a eliminação do tráfico; no entanto, reconhece o departamento de Estado dos EUA, “está a envidar esforços significativos para o fazer.”
Apesar dos esforços para prevenção e protecção não terem sido suficientes, acções foram levada a cabo para reduzir a vulnerabilidade das crianças em risco. Contudo há vários factores que podem fomentar o tráfico: trata-se de um país arquipelágico, onde é difícil monitorizar todas as fronteiras e onde persiste um elevado grau de pobreza entre famílias, principalmente aquelas que têm as mães como chefe e único sustento. Estes são apenas dois exemplos de vulnerabilidades. Mas não são conhecidos casos de redes semelhantes à de Angola.
Na linha das observações do relatório americano, o ministro da Justiça, José Carlos Correia, reconheceu recentemente no entanto, que Cabo Verde precisa rever o seu quadro legal quanto à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, principalmente contra mulheres e crianças.
Prostituição
A par com os casos já descritos de tráfico de menores, estão a entrar em Portugal raparigas nigerianas que seguem para outros países europeu onde são obrigadas a prostituir-se. O esquema era o seguinte: as raparigas eram aliciadas, saiam da Nigéria e apanhavam um voo da Guiné-Bissau (que entretanto foi suspenso em Dezembro) ou do Senegal para Portugal. Desembarcavam e seguindo as instruções da organização criminosa, identificavam-se como menores de idade e pediam asilo. Pelo menos 23 raparigas menores foram envolvidas nesse esquema, além de entre 30 a 40 adultas.
A rede foi desmantelada esta semana pelo SEF, numa operação chamada Naira. Em comunicado, explica ainda que as raparigas enquanto aguardavam o deferimento do pedido, já depois de autorizadas a entrar no país, eram contactadas pelos elementos da organização que estavam em Portugal, e encaminhadas para diferentes destinos dentro da Europa.
“No país de destino as jovens eram confiadas a mulheres mais velhas da mesma nacionalidade, as chamadas «madames» ou «mamas», que as passavam a controlar e a explorar, retirando-lhes todo o dinheiro que faziam com o exercício da prostituição”, lê-se ainda.
Este é aliás um problema global e há registo, de mesmo em Cabo Verde haver redes semelhantes em funcionamento, principalmente nas ilhas turísticas e envolvendo jovens da África Ocidental com destaque também para a Nigéria.
A referida operação Naira envolveu alguns países europeus que poderão ter sido atingidos pelos tentáculos da rede. As investigações continuam. Tendo estatuto de refugiadas, é a Portugal e não à Nigéria que são devolvidos de cada vez que são detectadas noutro estado-membro da União Europeia.
Fonte: EI