Artistas criam campanhas falsas para constranger governos e ajudar necessitados

domingo, julho 6, 2014

Comunicação de guerrilha consegue atrair atenção de autoridades alemãs para questões humanitárias

Criança síria com a foto da ministra alemã Manuela Schwesig em ‘gratidão’ ao anúncio de que o governo ajudaria 55 mil jovens refugiados: parte da ação ficcional do grupo "Center for political beauty" - Divulgação/ Alexander Buehler

Criança síria com a foto da ministra alemã Manuela Schwesig em ‘gratidão’ ao anúncio de que o governo ajudaria 55 mil jovens refugiados: parte da ação ficcional do grupo “Center for political beauty” – Divulgação/ Alexander Buehler

O conflito civil que se arrasta há mais de três anos na Síria já afetou 5,5 milhões de crianças, de acordo com estimativas da ONU. Diante do quadro catastrófico, a ministra alemã da Família, Manuela Schwesig, resolveu agir e lançou, em maio passado, uma campanha on-line para salvar 55 mil jovens sírios. Bem, pelo menos isso era o que dizia o site da “iniciativa”, ricamente ilustrado com imagens e declarações de Schwesig, vídeos e o logo oficial do seu ministério. Menos de um mês depois, a página já registrava mais de 800 famílias alemãs voluntárias a adotar os refugiados. Uma boa ação do governo, não fosse um detalhe: Schwesig nunca teve qualquer relação com a campanha, um hoax — história falsa disseminada na rede — criado pelo coletivo de ativismo artístico Center for Political Beauty (Centro pela Beleza Política).

CONSTRANGIMENTO PARA MINISTRA

Baseado em Berlim, o grupo vem se destacando por suas ações de grande impacto midiático, que combinam recursos digitais e protestos físicos para chamar a atenção da Alemanha sobre a importância da defesa dos direitos humanos frente ao seu passado.

— Somos um grupo de artistas cuja meta é impactar o modo como o país lida com a sua história. Queremos que a Alemanha aprenda com o passado e não seja apática diante de questões atuais relativas aos direitos humanos — afirma, por telefone, a cineasta Cesy Leonard, chefe da equipe de planejamento político do grupo.

No caso, a campanha falsa indicava que os refugiados sírios seriam transportados em uma operação semelhante à Kinderstransporte (transporte de crianças), realizada na Segunda Guerra Mundial pelos ingleses, para livrar 10 mil pequenos judeus das mãos dos alemães nazistas, o que lhe rendeu o apoio de dois sobreviventes do Holocausto.

Diante da repercussão da campanha, a ministra Manuela Schwesig teve de vir a público declarar que não tinha nada a ver com ela, admitindo que o governo não tinha planos de ajudar crianças refugiadas. A Alemanha, então, viu-se mergulhada em uma discussão interna sobre o descaso do país com questões humanitárias.

Cesy Leonard, chefe da equipe de planejamento político do grupo de artistas ativistas "Center for the political beauty" - Patryk Sebastian Witt / Divulgação

Cesy Leonard, chefe da equipe de planejamento político do grupo de artistas ativistas “Center for the political beauty” – Patryk Sebastian Witt / Divulgação

Criado em 2008 pelo filósofo e artista performático alemão Philipp Ruch, e financiado por doações particulares, o Center for Political Beauty é adepto de táticas de comunicação de guerrilha e da chamada culture jamming, que supõe a subversão da mídia e das instituições, território da polêmica dupla ativista The Yes Men.

Com a intenção de embaralhar ficção e realidade a fim de reforçar as suas mensagens, Cesy diz que o grupo encontrou na internet e na dinâmica das redes os canais ideais para o seu trabalho:

— Na web é possível espalhar pensamentos de uma forma muito rápida e ampla, o que se faz essencial para o tipo de ações que desenvolvemos. Como um pintor usa a tinta, usamos a internet.

Continuando a sua campanha, o grupo lançou no final de maio o site de um reality show em que cem crianças sírias concorrem pelo voto do público para que, ao final, uma seja salva. Dura ironia com esse formato de programa. Ilustrada com imagens e vídeos de entrevistas com os participantes mirins, a página pode facilmente fazer um internauta desapercebido pensar que se trata de um concurso verdadeiro.

“Vote agora para a criança que você quer salvar e decida quais as 99 que vão continuar a morrer. O governo federal não pode resolver todos os problemas do mundo, mas pode ajudar uma em cem crianças. Ligue agora! As linhas estão abertas 24 horas por dia”, diz o site da ação, que também contou com a exibição dos vídeos das crianças em contêineres espalhados por Berlim.

Mas quais são os impactos reais das intervenções ficcionais do coletivo? Pouco tempo depois do início da campanha, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, reforçou a necessidade de o seu país oferecer mais proteção aos refugiados sírios, e o governo prometeu que ajudaria cerca de 10 mil crianças.

— Ainda que o governo nunca tenha nos respondido diretamente, episódios como o de Steinmeier mostram que podemos fazer diferença — afirma Cesy.

Fonte: O Globo

 


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