Casa do clã foi destruída após ataque israelense no domingo (20); eles dizem não haver militantes do Hamas na área
‘Não sei o que ocorreu. De repente, tudo desmoronou’, disse Tawfiq Abu Jamia, um dos dois sobreviventes
DIOGO BERCITODO ENVIADO A KHAN YUNIS (GAZA)
A família Abu Jamia se preparava, no domingo (20), para a tradicional refeição de desjejum durante o mês sagrado de Ramadã.
À mesa, esperavam a tâmara e os sucos adocicados típicos da época.
Ao anoitecer, porém, a casa de quatro andares foi alvo de um ataque israelense. A construção se desfez, transformando-se em uma cratera. Morreram 28 parentes, além de uma visita. A maior parte das vítimas era de crianças e mulheres, dizem.
Tawfiq Abu Jamia fez jus ao seu nome, que significa “sorte” em árabe, ao ser um dos dois sobreviventes. O outro foi seu filho. “Não sei o que aconteceu. De repente, tudo desmoronou”, disse à Folha, diante dos destroços do que um dia chamou de lar.
A reportagem visitou Khan Yunis e conversou com outros membros da família Jamia, um clã numeroso refugiado da cidade de Jafa, em 1948. As vítimas faziam parte do ramo Nuri dessa família.
Os moradores do bairro expressavam indignação com a tragédia, para a qual não encontram justificativa –não viviam militantes do Hamas nessa área e dali não se disparavam foguetes, dizem.
“O mais jovem entre os mortos tinha quatro dias de vida. O mais velho, a avó, tinha 65 anos”, afirmou Taysir Abu Jamia. “Não sei se Israel nos atacou para matar as crianças ou nossos anciãos.”
“Somos apenas uma família. Não somos do Hamas. Somos pessoas normais”, diz Muhammad Abu Jamia.
Khan Yunis, no sul de Gaza, é uma das regiões hoje sob intenso bombardeio israelense. Diante da destruição em áreas vizinhas, a cidade tornou-se também um polo para os refugiados palestinos.
Com ferimentos leves no braço, Tawfiq disse não acreditar ter sobrevivido à explosão que destruiu sua casa.
Taysir, que não estava no local na hora da explosão, diz que não conseguia distinguir os restos dos corpos de seus filhos e dos sobrinhos.
“A explosão afundou as pessoas no chão. Os animais também foram mortos”, afirmou, mostrando à reportagem a cratera criada pela queda da casa. Destroços de metal de mais de um metro de comprimento caíram a quarteirões dali. Estilhaços entraram pelas casas vizinhas.
O ataque de domingo destruiu a rede de eletricidade, e o bairro está sem luz. À noite, moradores saem de casa e se reúnem nas ruas e becos.
“Temos medo”, diz Sabri Abu Jamia. “Só queremos que a nossa liderança seja forte e unida para resolver a situação. Não precisamos de nada, além de dignidade.”
A morte de quase 30 membros da família será, porém, um espectro assombrando seu futuro. O especialista em saúde mental Yassir Abu Jamia, que mora a 500 metros da casa atingida e também integra o clã, prevê traumas de longo prazo, sem haver perspectiva de tratamento.
Yassir é diretor-executivo do Programa Comunitário para a Saúde Mental de Gaza, organização não governamental que atua na área.
“Quase a totalidade da população de Gaza está exposta a traumas. Você testemunha bombas todos os dias, e todas as áreas são afetadas.”
Assim, ele diz que moradores que vivem o drama como o da sua família devem apresentar, no médio prazo, sinais de choque como confusão e horror extremo. Crianças sofrem de dores abdominais e não controlam sua micção, à noite. Mulheres têm ataques de pânico.
“No longo prazo, até 35% dos moradores devem passar por estresse pós traumático, com sintomas severos.”
Yassir disse, no entanto, que não há perspectiva de tratar os palestinos na faixa de Gaza em termos de saúde mental. “Não temos recursos. As pessoas têm de ou viver com seus traumas ou morrer.”
Fonte: Folha de São Paulo