O Sudão do Sul deixou passar outra oportunidade para a paz e, em seu lugar, os líderes dos dois lados em guerra permitiram que o país continue firme em seu caminho para a fome e a anarquia. O dia 10 deste mês foi a data limite para que as delegações do presidente Salva Kiir e de seu outrora vice-presidente e atual líder insurgente, Riek Machar, apresentassem uma proposta final para um governo de transição e de unidade, que acabasse com o conflito iniciado em dezembro.
No entanto, esse final de semana só trouxe mais combates que agravaram a desesperada situação de segurança alimentar deste país da África oriental fundado em 2011. A comunidade internacional alertou que a fome pode chegar em dezembro. Pelo menos 1,1 milhão dos pouco mais de dez milhões de habitantes sofrem escassez de alimentos de emergência. E até que os combates cessem, os organismos humanitários não terão acesso às dezenas de milhares de pessoas que necessitam de sua ajuda.
Não há indícios de um cessar-fogo no curto prazo. No dia 12, durante visita de uma delegação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Sudão do Sul, a embaixadora norte-americana, Samantha Power, disse que a informação em seu poder indicava que estariam entrando “mais armas neste país a fim de preparar o terreno para outra batalha”.
No começo deste mês um grupo de combatentes que não segue as ordens de nenhum dos dois lados em disputa localizou e executou seis trabalhadores humanitários no Estado do Alto Nilo, perto da fronteira com o Sudão. As vítimas, todas nuer, foram escolhidas por seu grupo étnico, o que revela a divisão tribal que o conflito fomenta.
É possível que, quando finalmente as duas partes sentarem para negociar em Adis Abeba, escrevam uma solução para uma situação que já não tem controle algum. O conflito começou com uma disputa política entre Kiir e Machar sobre quem controlaria o partido governante Movimento de Libertação Popular do Sudão. Mas a escaramuça avivou rapidamente as tensões étnicas enquanto se propagava pela metade oriental do país.
A violência posterior se caracterizou pelas violações dos direitos humanos. “Os ataques contra civis e a destruição e saque de suas propriedades formam a base de como se lutou esta guerra”, explicou à IPS a pesquisadora da organização Human Rights Watch, Skye Wheele.
Os combatentes dispararam contra pacientes em camas de hospitais e massacraram refugiados em uma mesquita e nas bases da ONU. Pelo menos dez mil pessoas morreram e mais de 1,5 milhão foram deslocadas. O assassinato dos trabalhadores humanitários e de outras pessoas pertencentes à etnia nuer no condado de Maban, no Alto Nilo, podem indicar a transição do conflito para uma etapa mais volátil.
Maban, que abriga dezenas de milhares de refugiados, estava relativamente à margem dos conflitos. Mas isso não impediu que um grupo armado local, a autônoma Força de Defesa Mabanesa, matasse os civis nuer. A missão da ONU no Sudão do Sul alertou em um comunicado de imprensa que Maban corre o risco de “cair na anarquia.
Sem um acordo de paz legítimo, essa anarquia poderia facilmente se espalhar para outras regiões do país, na medida em que as comunidades decidam fazer justiça com as próprias mãos. “Vimos como o abuso gerou mais violência e mais abusos durante os ataques de represália contra civis”, contou Wheeler. Durante o final de semana dos dias 9 e 10 soube-se que outro grupo armado marcou presença em Maban para se vingar dos assassinatos anteriores. As repercussões dos assassinatos de Maban poderiam ser maiores.
Os moradores das áreas em conflito, além das dezenas de milhares de refugiados, são quase completamente dependentes da ONU e das organizações não governamentais para sua alimentação, abrigo e proteção. As Nações Unidas calculam que as agências de ajuda vão precisar de US$ 1,8 bilhão para atender 3,8 milhões de pessoas antes do final deste ano. Até o momento foi arrecadado pouco mais da metade dessa quantia.
Embora a situação ainda não cumpra os critérios técnicos para a fome ser declarada, “existe um sofrimento extremo”, apontou à IPS Sue Lautze, diretora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura no país. O sofrimento será maior se os trabalhadores humanitários se converterem em alvos da guerra.
Em Maban, uma equipe da Medair, uma organização que presta serviços de emergência, está encarregada das estações de água potável e outras necessidades de saúde e higiene para as 60 mil pessoas da localidade, incluindo os refugiados do acampamento de Yusuf Batil, e a população dos arredores. Sua diretora no país, Anne Reitsema, observou à IPS que os ataques mostraram uma “total falta de respeito pelos atores humanitários”.
Após o ataque, a Medair retirou temporariamente de Maban vários membros de seu pessoal. Reitsema alertou que a violência “tornou muito difícil para a realização do nosso trabalho”. O problema é que não há mais ninguém que o faça.
A crescente violência, a possível fome e o prazo que se deixou passar podem ser usados como elementos que “envergonham” as duas partes de tal forma que tenham de adotar um acordo duradouro, opinou Jok Madut Jok, analista do Instituto Sudd, um centro de pesquisas sudanês. E isso já está acontecendo. A comunidade internacional ameaçou com sanções econômicas, uma vez mais.
Essa estratégia ainda não funcionou. Estados Unidos e União Europeia já sancionaram um líder militar de cada lado do conflito. Mas a comunidade internacional não tentou mais nada. Por isso, Jok espera que se perca mais prazos sem que se consiga algo. “As conversações de paz têm a ver com o que cada um deles espera obter delas, e não com a paz em si”, ressaltou à IPS.
Fonte: Envolverde/IPS