Quando em 1914 a Europa – e depois o resto do mundo – entrou em guerra, o conflito não passou despercebido pelas crianças. Afinal, seus pais e irmãos as tinham deixado em casa para irem lutar nos campos de batalha. Também não é surpreendente que inúmeros livros juvenis e infantis dessa época retratem a guerra de diferentes maneiras.
Esse é o tema da exposição Das Kinderbuch erklärt den Krieg (O livro infantil declara guerra), que reúne 200 livros, brochuras e folhetos no Museu dos Livros Ilustrados em Troisdorf, na Alemanha. “Tem de tudo na exposição, de uma literatura patriótica e belicista adequada a qualquer idade até livros moderados, que chamam a atenção para o fato de que os inimigos também eram seres humanos”, afirma a curadora Carola Pohlmann.
A exposição abrange desde o fim da Guerra Franco-Prussiana, em 1871, até a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, o que permite identificar a influência da literatura de guerra em mais de uma geração. Mas o ponto forte são os quatro anos da Primeira Guerra Mundial. Na foto, o “Divertido livro infantil de guerra”, de 1916, mostra crianças vestidas com uniformes de soldados a expulsar os inimigos.
Humor na guerra? Parece que não…
Os ingleses são conhecidos por seu humor negro, e isso vale também para livros infantis. “No entanto, até os britânicos deixaram de lado o humor diante das atrocidades da guerra. O que significou uma perda para a literatura infantil”, comenta Pohlmann, que avaliou uma enorme quantidade de material para compor a exposição.
Brincando de guerra
Diversos livros infantis têm um caráter lúdico, como uma versão em francês de Chapeuzinho Vermelho em que franceses e seus aliados belgas e ingleses lutam contra o Lobo Mau, neste caso a Alemanha. Como também comprova a imagem de um livro infantil alemão, a guerra era também encenada como um jogo, na maioria das vezes fácil de ganhar.
Cartas e jogos de tabuleiro
Além dos livros, brincava-se de guerra também com cartas e jogos de mesa, como mostra o baralho “O mico preto da Sérvia” (Schwarzen Peter aus Serbien). Por trás dos jogos bélicos estavam não somente os aspectos educacionais e de propaganda, mas sobretudo as questões comerciais. Para as editoras, a guerra foi uma boa oportunidade para fazer dinheiro.
Matéria no quadro: guerra!
Os livros não eram lidos apenas em casa. Também na escola os professores davam lições patrióticas sobre a guerra. Frequentemente as aulas eram suspensas porque a escola era transformada em hospital, ou porque não havia carvão e madeira para o aquecimento.
Livros para meninas
Grande parte da literatura de guerra apelava aos anseios de aventura da juventude e, conforme o pensamento da época, isso significava literatura para meninos. Mas as garotas também eram um público-alvo. As histórias para meninas se davam sobretudo no front, dentro da própria Alemanha – como nos contos “Cabeça teimosa” (Trotzkopf) ou “Caçula” (Nesthäkchen), passado em Berlim.
Entre a impressão rápida e a arte
Em geral, os desenhistas tinham prazos muito curtos para ilustrar determinadas batalhas, afirma o pesquisador da área de literatura infantil e co-curador da exposição Friedrich C. Heller. Os livros franceses quase sempre chamavam a atenção por sua boa qualidade. Na imagem acima vê-se a invasão da Bélgica pelos alemães, representados pelo coturno gigantesco que esmaga a pequena cidade de Liège.
Propaganda social na guerra
As crianças também apareciam em diversas brochuras e cartazes de propaganda, como nessa impressão de 1915. Abaixo da imagem lê-se “não vamos morrer de fome”. A assistência social utilizava esses cartazes para arrecadar doações para alimentar as crianças. Afinal, não se pode esquecer que elas não conheciam a guerra somente dos livros, mas também viveram e sofreram com o conflito.
Nada restou da euforia inicial
Com os mortos e feridos deixados pelo conflito, as ilustrações nos livros infantis se tornaram mais sombrias. Ao contrário das “engraçadas” histórias nas quais os heróis venciam rapidamente, em 1917 e 1918 algumas publicações passaram a mostrar cenas mais realistas dos horrores desta primeira guerra moderna, que inaugurou a utilização de tanques blindados e de gases venenosos.
O cansaço da guerra também fez surgir, mesmo em pequena quantidade, uma literatura que pregava a paz. Na publicação francesa “Reims, a catedral” surge o sonho de um mundo sagrado, no qual a catedral bombardeada – símbolo da barbárie alemã na França – ressurge e une os povos.
Em 11 de novembro de 1918, o Império Alemão finalmente assina o armistício de Compiègne com os franceses e os ingleses. Mas a paz não duraria muito. Muitos dos jovens que leram os livros infantis durante a Primeira Guerra Mundial vestiriam os uniformes de soldado a partir de 1939, na Segunda Guerra Mundial.
“Se, na infância, eu sou repetidamente submetido a determinadas imagens, então elas provavelmente vão marcar a imagem que tenho de mim mesmo como soldado ou combatente”, comenta o especialista em livros infantis Heller. “O poder das imagens e dos textos não deve ser subestimado.”
Por Sarah Judith Hofmann
Deutsche Welle
Fonte: Rodrigo Trespach