As atualizações vinham por rádio e celular enquanto a picape de Tomer Lahav rodava por este kibutz, perto da linha de cessar-fogo em Ein Zivan, Colinas de Golã, entre Israel e Síria. Era uma chuva de morteiros. Um carro atravessou a fronteira de Quneitra, ali perto. Dois infiltrados armados foram mortos, 20 moradores feridos, uma criança — ou seriam duas? — estava desaparecida. Lahav, chefe da equipe de segurança civil do kibutz, arrastava seu filho de 14 anos por uma praça gramada, embora o joelho ferido, como todo o resto, não fosse real e sim, parte de um exercício de treinamento.
— Razi, vai lá para trás. Tenho que levá-lo para a ambulância — o pai disse a ele. O treinamento foi o mais intenso pelo qual o pessoal daqui já passou, depois de semanas nas quais a luta na Síria acabou ultrapassando a cerca fortificada. A funcionária de uma vinícola do kibutz quase ficou paralisada pelo tiro de um tanque, os pomares de Ein Zivan foram atingidos várias vezes e sete alarmes recentes fizeram 300 moradores procurar abrigo contra o fogo inimigo. Fronteira mais tranquila de Israel durante quatro décadas, as Colinas de Golã agora são vistas por alguns especialistas como a mais volátil e imprevisível. Os rebeldes sírios, alguns alinhados à Al Qaeda, tomaram as aldeias na fronteira, além de cruzá-la em Quneitra, e as forças da ONU que patrulhavam a zona desmilitarizada evacuaram seus postos.
No final de setembro, Israel abateu um avião sírio que invadiu seu espaço aéreo. Uma coalizão liderada pelos EUA combate o Estado Islâmico com ataques aéreos, enquanto os israelenses cautelosamente aguardam o que parece ser uma escalada inevitável ali ao lado, e até mesmo dentro, de seu território. No final de 2013, os militares enviaram uma nova divisão para enfrentar a ameaça crescente; agora, o turismo local está em apuros e as pessoas estão cada vez mais nervosas.
— O céu ficou nublado, mais escuro ou cinza. É como um enorme tanque de gasolina rodeado de velas. Basta empurrar só uma delas e tudo pode explodir em um minuto —disse Ben-Reuven Eyal, major-general aposentado com experiência na área. O exército não fornece detalhes sobre os eventos que chama de “zligah” (hebraico para “transbordar), apenas dizem que não passaram de cem. Um oficial graduado da nova divisão, falando na condição de anonimato exigido pelo protocolo militar, disse que a principal preocupação é em manter o acordo de cessar-fogo de 1974 entre Israel e Síria “se não há nenhuma autoridade militar do outro lado”
— Agora nos preparamos para um tipo diferente de perigo: o terror e a ameaça de extremistas islâmicos — ele explicou. Analistas aqui acreditam que as inúmeras forças de combate na Síria não têm, neste momento, interesse de envolver Israel, mas também sabem que a Frente Nusra, grupo afiliado à Al Qaeda e que controla cidades próximas do território israelense, o Hezbollah, a milícia xiita libanesa que apoia o exército da Síria, e o Estado Islâmico, também chamado de EIIL, consideram Israel um ocupante ilegal de Golã. Até mesmo um erro — uma bomba perdida que mate uma família em plena caminhada — poderia desencadear a conflagração.
— Não posso dizer que estou com medo 24 horas por dia, mas hoje não me sinto seguro pensando no que o outro lado pode decidir fazer contra mim — disse Udi Arnon, que vive em Ein Zivan desde 1972 e ultimamente mantém uma lanterna ao lado da cama. — Este é um paradoxo louco: há um grande muro; de um lado, eles lutam e matam uns aos outros e do outro lado há flores, pássaros e crianças rindo. Não consigo dormir tranquilo —
Israel tomou Golã, um planalto estratégico com colinas verdejantes, da Síria, em 1967. Após a guerra do Yom Kippur, devolveu uma pequena parte, que se tornou a zona patrulhada pela ONU. Israel e a Síria permanecem tecnicamente em guerra e o mundo não reconhece a anexação de Israel, de 1981, da área de 1.150 quilômetros quadrados. A população judaica duplicou para 30 mil nos últimos 20 anos; a maioria das pessoas se mudou não pela ideologia, mas pelos incentivos financeiros, as paisagens deslumbrantes e a tranquilidade rural — os dois últimos agora marcados por uma imponente cerca de alta tecnologia na fronteira e uma constante trilha sonora de tiros vinda do outro lado.
Há também cerca de 22 mil drusos, um grupo que não possui a cidadania israelense, mas se voluntaria para suas forças armadas. Para eles, os acontecimentos na Síria têm repercussões diretas. Os produtores de maçãs provavelmente não poderão exportar para a Síria através de Quneitra este ano, o que Asaad Safadi, gerente de armazém, estima que reduzirá o mercado anual de US$ 100 milhões para aproximadamente US$ 7 milhões. Centenas de drusos frequentam a Universidade em Damasco; mas o número agora foi reduzido a dezenas, de acordo com Salman Fakhreldin, ativista local.
No Vale de Lágrimas, local de batalha de 1973, dois homens de meia-idade ficaram em um antigo bunker israelense, com binóculos, procurando as nuvens de fumaça das bombas. Eles se recusaram a dar seus nomes por medo de que seus parentes fossem feridos do lado sírio, mas disseram que vêm todos os dias para observar a guerra. O combate mais recente, os homens disseram, foi em uma aldeia controlada pelo governo a nordeste do bunker; os insurgentes tomaram aldeias a noroeste e mais ao leste. Recentemente, a oposição parecia ter substituído suas caminhonetes com motos para aumentar a velocidade ao longo da estrada na beira do muro.
Em outro posto de observação, no topo do Monte Bental, cristãos noruegueses se deram as mãos em um círculo e rezaram pedindo o fim do Estado Islâmico (“Pare-os, Senhor; pare-os e destrua-os”). Ali perto, outros turistas praticamente tropeçaram em dois membros da Organização da ONU de Supervisão de Trégua, que posicionaram seu telescópio no Bental depois de abandonar seu posto no lado sírio, quando insurgentes da Frente Nusra sequestraram outros observadores internacionais. Para os judeus israelenses, a situação pôs um fim à questão de devolver Golã para selar a paz com a Síria, algo que esteve perto de acontecer recentemente, em 2010. Imagine, diziam todos em várias entrevistas, se esse acordo tivesse sido feito, e a Nusra ou o Estado Islâmico se aproximassem do mar da Galileia em vez de atravessar o vale profundo de Golã.
Residentes da região decidiram permanecer aqui, mas o mal-estar se espalha. Giora Chepelinski disse que o número de visitantes à sua fábrica de chocolate, que geram 40 por cento de sua receita, caiu cerca de 75 por cento no mês de setembro, em comparação com o anterior. Em uma recente noite de segunda-feira, apenas um dos 48 quartos de hotéis de Ein Zivan estava ocupado. Muitos acham a situação surreal: em agosto, quando a vinícola daqui foi atingida, uma parteira de Ein Zivan ajudou a fazer o parto de uma mulher síria, um dos mais de 1.300 refugiados em Israel desde abril de 2013. Lahav, o chefe de segurança do kibutz, disse que seu orçamento duplicou este ano e que Ein Zivan e o Estado gastaram mais US$50 mil para transformar um antigo abrigo anti-bomba em uma moderna “sala de guerra”, com câmeras de circuito fechado, macas e um armário cheio de metralhadoras.
Soldados israelenses participam regularmente da colheita de maçãs de Ein Zivan para aumentar a confiança, e Lahav faz de três a cinco patrulhas diárias, ao invés de uma. É difícil ser um observador da guerra alheia, disse Lahav, que rejeitou a palavra “zligah” por causa de seu uso político.
— O ferimento é exatamente o mesmo se o tiro é proposital ou não, mas a nossa resposta não é a mesma — ele disse. O treinamento contra ataques de surpresa começou com uma equipe de segurança de 22 homens, incluindo um funcionário de 58 anos de uma avícola, um homem que faz palmilhas e o motorista de um jipe turístico, que disse ter tido um único cliente nos últimos dois meses. Horas mais tarde, eles passaram por todo o kibutz ao lado de soldados para uma simulação de contagem de todos os moradores. Enquanto examinavam mapas das casas, o familiar som de tiros irrompeu não muito longe.
— Isso é real. Não é treinamento — disse Lahav.
Fonte: Obra em Alagoas