A força e a bravura de Graça Machel

quarta-feira, dezembro 3, 2014

graçaDizem que por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher. Então o que dizer de Graça Machel? Moçambicana, é viúva de dois chefes de Estado. Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique  e de Nelson Mandela, primeiro Presidente Negro da África do Sul. Sendo a única mulher no mundo a ser esposa de dois presidentes, Graça Machel foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Movida pela indignação, envolveu-se muito cedo com questões políticas. Ficou conhecida mundialmente por estudo realizado para a ONU e que foi batizado como Relatório Machel. Este documento serve de parâmetro, até hoje, para analisar as consequências da guerra na vidas de crianças que vivem em situação de conflito.

Atualmente, se dedica a sua instituição, Graça Machel Trust, onde trabalha com a defesa dos direitos e da dignidade das crianças e com o fortalecimento dos movimentos de mulheres na lideranças em diversos níveis (educação, econômico, social, político e governamental) em África.

Em entrevista, Graça Machel convoca à luta a nação negra brasileira.

Observatório: Quais foram suas motivações para lutar pelas causas sociais, pelas crianças e mulheres?

“Quando em 1965, em Moçambique, fui conduzida ao Ministério da Educação e Cultura, tive que criar um programa de incentivo a educação de adultos e crianças. O discurso era: ‘façamos do país uma escola onde todos ensinam e todos aprendem’. Em poucos anos, conseguimos atingir um bom número de pessoas. Depois disso o país entrou em guerra e quase tudo foi destruído.

“O pior de tudo foi ver as crianças que estavam desabrochando, serem arrasadas pela guerra. Uma revolta desenvolveu-se dentro de mim. As crianças tinham o futuro promissor e ninguém tinha o direito de tirar isso delas. Foi aí que me tornei a voz das crianças, em particular, a voz das crianças vítimas de conflitos armados.

“Quando a ONU precisou de alguém para fazer o relatório sobre o assunto, fui convidada a fazer o Relatório Machel. Fui catapultada para falar num nível global. Foi uma necessidade de falar de algo não tão positivo, pois tive que falar de coisas ruins como a guerra.

“Com as mulheres foi diferente. É algo mais antigo. Nasci 20 dias depois da morte de meu pai e vivi num universo feminino. Durante a vida, fiz uma releitura para entender o papel de minha mãe e minha irmã em minha vida e a importância da educação. As coisas que afligiam as mulheres começaram a me incomodar e me fizeram pensar. Fiquei viúva muito cedo, aos 41 anos. Fui confrontada por situações em que não podia ficar calada e como tenho a oportunidade de falar em voz alta, porque estou nos lugares importantes, então passei a falar pois tenho esta oportunidade.

“Uma mulher é fonte de várias energias. Se reinventa, se posiciona muitas vezes em silêncio. Uma mulher é capaz de fazer as crianças estudar, comer, mesmo em situações de muita dificuldade. Eu aprendi com as mulheres que tive contato em África e é um poder extraordinário e não é valorizado. Também tem os tabus que precisam ser combatidos. Agora que falamos do meu trabalho, através do Graça Machel Trust, estamos trabalhando na inserção da mulher em diversos níveis. Elas tem que ser influenciadoras em todos os níveis, econômico, ciência e tecnologia, na gestão do conhecimento. Trabalhamos com redes africanas para definir onde queremos estar.

Observatório: Como lidar com todas as demandas sociais que caem sobre os ombros das mulheres? A Educação é o foco?

“Apesar de não estar nas instituições, todo meu trabalho está ligado a Educação. Ela é a chave que permite liberar a nossa força interior. Ela é fundamental nesse aspecto. Os negros brasileiros tem direito ao acesso ao nível mais alto de todas e quaisquer instituições de ensino. É necessário uma política que garanta isso aos negros. A instituição de cotas é importante. Essa situação de não haver negros nessas instituições não é normal.

Observatório: Somos (Universidade Zumbi dos Palmares) a única instituição de ensino superior, no Brasil, que trata da temática racial. E a inquietação é que também somos uma das poucas que produzem programas de tv que falem do assunto.

“Tem que sair do nível de inquietação. Por que a Rede Globo não tem um programa assim? Como podem ignorar 52% da população? É uma questão tão profunda que tem que se questionar. Em que medida uma nação se considera inteira se esquece 52% da população? Confesso que estou perplexa porque nós tivemos na África Austral regimes abertamente discriminatórios. Tivemos o mundo defendendo que isso era errado. O racismo não pode ser velado. Tem que ser aberto para que possa ser combatido. Muitas coisas não são tão veladas, ficam abertas. É necessário que se fale abertamente sobre isso. O reconhecimento de África do Sul sobre o fim do apartheid foi importante no encarar dessa situação. Todas as  pessoas deviam participar de eventos assim. O apartheid era um problema global, como o racismo brasileiro é um problema global também.

Observatório: Falando da mulher no campo da ciência. As novas tecnologias são caminhos promissores?

“Vivemos em sociedades que dizem viver em base do conhecimento. O que garante isso é o acesso a tecnologia e quem estiver sem esse acesso é deixado de fora. As mulheres estão mal representadas nestas áreas. As barreiras são muito grandes. Acredito que é necessário encorajar, estimular e manter as mulheres nessas áreas. Elas precisam permanecer nas áreas de pesquisa para que sejam parte desses cientistas jamais imaginados e não há razões para matê-las longe. O que recomendo para o Brasil é que haja política clara e alocação de recursos, tempo e pessoas para desmitificar  um número de mulheres jovens nas áreas de domínios tradicionais masculinos. Não há onde as mulheres não possam trabalhar. É hora do Brasil ter políticas consistentes para manutenção de mulheres nesse processo.

Observatório: Você acredita que é necessário haver prazos para avaliação das Ações Afirmativas?

“Não há dúvidas. Os países africanos são livres há pouco tempo e é preciso transformar. É preciso estabelecer espaços com COTAS para inserir essas pessoas. Necessário ter instrumentos de avaliação para verificar os avanços que estão alcançando. E quem não estiver avançando, descobrir o por quê. Isso é um encorajamento, pois há auxílio dos governos nesse sentido.

“Sou membro do painel que submeteu à ONU os objetivos do milênio sobre o papel das pessoas. Indicamos que todas as pessoas que habitam o mundo sejam parte integrante das políticas e ações que visam o bem geral do planeta. Cada um de nós tem que domesticar esse comando em planos possíveis de ser realizados para não deixar ninguém para trás. O Brasil tem sido muito ativo nas Nações Unidas. Neste contexto que poderá ficar pra trás, tem que dar exemplo.

Observatório: Como vê sua vinda para homenagear Nelson Mandela?

“Não estou preparada para falar de Madiba. Com suas palavras: ‘Eu dediquei minha vida a luta contra a dominação branca, contra a dominação negra.  Que todos vivam em harmonia e estou preparado para dar sua vida pela paz e integração”. Naquela altura, nos anos 1960 parecia um ideal impossível de se alcançar. Politicamente falando, ele alcançou seu objetivo. Ele foi um homem feliz nesse sentido. Temos que saber preservar o que ele fez e saber interpretar corretamente suas palavras.

Observatório: Poderia nos falar um pouco sobre seus trabalhos futuros?

“Minhas causas serão sempre as mesmas. Tudo dependerá das circunstâncias. Depois do período de luto, recomecei minhas atividades com força renovada. Agora tenho um período de reflexão, para saber o que fazer, para quais coisas ainda tenho bastante energia. Mas sei que focarei nas questões da criança e nas questão da vida econômica da mulher. A mulher na vida política em África também estarão na lista de trabalhos. Temos uma estratégia clara de como faremos para colocar mulheres nos postos políticos mais altos em África.

Observatório: Um conselho de Graça Machel

“Força, muita força, nunca desfalecer. Não há nada que não consigamos desde que ponhamos nossa própria energia. Uma instituição como essa é uma instituição de incentivo. Sim podemos, seja o que for que desejamos alcançar.”

Fonte: Flink Sampa Afroétnica


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