São 2.320 solicitações aceitas, mais de três vezes o registrado em 2013.
O Brasil concedeu no ano passado 2.320 refúgios a estrangeiros, um recorde. É o que mostram dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, obtidos pelo G1. Isso representa mais de três vezes o número de solicitações aceitas em 2013 (649), o maior registro até então.
Dos pedidos aceitos, mais da metade – 1.405 – são de sírios, que agora ocupam o primeiro lugar no total de refugiados no país. São 1.740. Eles ultrapassaram os colombianos (1.263) e os angolanos (1.071). Com as novas concessões, o Brasil tem, ao todo, 7.662 refugiados de 81 nacionalidades diferentes – um aumento de 47% em um ano (veja mapa com a origem de todos).
Milhões de pessoas deixaram a Síria em busca de refúgio em nações vizinhas e, em alguns casos, em países distantes como o Brasil, em razão da guerra civil que não cessa e já provocou a morte de quase 200 mil pessoas, segundo ONGs de direitos humanos.
Desde 2013, quando foi identificado o fluxo de sírios, o Conare implementou, a pedido da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), um “procedimento acelerado” no momento de analisar as solicitações de refúgio. Houve uma simplificação dos procedimentos, com a redução de questionários e a unificação de entrevistas com diferentes autoridades antes da análise do pedido.
De acordo com o Conare, a produtividade do órgão saltou de 33 solicitações analisadas por plenária em 2011 para 368 em 2014 (mais de 1.000% de aumento).
Layla Ielo, brasileira que participa de um grupo de apoio a refugiados sírios na Mesquita do Brás, em São Paulo, confirma que o processo de obtenção do protocolo de refúgio tem sido muito mais ágil. “Antes eles esperavam quatro, cinco meses para conseguir a documentação. No meio do ano passado, a espera foi zerada. Agora voltou a se acumular por causa do volume de pessoas que chegam, mas está demorando só uma semana”, afirma.
O refúgio é um direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU de 1951 e ratificada por lei no Brasil em 1997. Segundo o ministério, o refúgio pode ser solicitado por “qualquer estrangeiro que possua fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião pública, nacionalidade ou por pertencer a grupo social específico e também por aqueles que tenham sido obrigados a deixar seu país de origem devido a uma grave e generalizada violação de direitos humanos”.
Na terceira posição aparecem os congoleses. Conflitos entre governo e opositores do regime do presidente Joseph Kabila têm causado mortes e continuam a gerar pânico na população. De acordo com os dados do Conare, 174 habitantes do país africano obtiveram o status no ano passado.
‘Invasão síria’
A brasileira Layla Ielo diz que o principal problema agora é encontrar lugar para alojar os sírios que chegam a São Paulo – segundo ela, são, em média, três famílias toda semana. “Agora a situação na Síria ficou muito pior por causa desse grupo, o Estado Islâmico, que mata até crianças e idosos. Aí eles querem sair de lá desesperadamente”, afirma.
Muitas vezes são três gerações que fogem juntas ao mesmo tempo. “Vem o pai, a mãe, as crianças, os avós. A comunidade árabe da cidade, que no início abrigava o pessoal, já absorveu o máximo que poderia. Tínhamos conseguido hotéis que cobravam uma taxa simbólica, mas eles não querem mais cobrar menos. A situação está caótica. Tem alguns dormindo na rua por causa disso”, conta.
O grupo Oásis, do qual Layla participa, quer montar uma casa de acolhida para os refugiados sírios e tem se reunido com representantes dos governos municipal, estadual e federal para buscar uma solução.
Outra batalha é para conseguir emprego para os que chegam – muitos deles, profissionais com curso superior. Uma das ideias para 2015 é montar um curso de árabe para brasileiros, em que os professores sejam refugiados sírios.
Emprego
Conseguir emprego tem sido um dos maiores desafios para a professora de inglês Dana Albalkhi, de 26 anos, que está no Brasil há pouco mais de um ano. Em São Paulo, a jovem já trabalhou em uma loja de roupas no Bom Retiro, ensinou inglês em uma escola de idiomas, deu aulas particulares de árabe para brasileiros e trabalhou em uma entidade ligada a uma mesquita. Agora, ela trabalha em uma sociedade beneficente muçulmana.
Com o português afiado, Dana, que no início só se comunicava por gestos, diz que pensa em viver no Brasil por muito tempo. “No começo foi muito difícil, mas depois que fiz amigos brasileiros, ficou fácil. Agora estou feliz”, afirma.
Ela diz que nem todos os sírios que chegam conseguem se adaptar bem ao Brasil, mas a maioria se esforça para aprender o idioma e se estabelecer.
É o caso do engenheiro Talal Al Tinawi, que chegou a São Paulo em dezembro de 2013 com a mulher e os dois filhos. Ele é um dos poucos refugiados que já conseguiram emprego em sua área de atuação. Após passar um tempo vendendo roupas infantis no Brás, Talal obteve o protocolo de refúgio em fevereiro de 2014. Hoje, trabalha em uma empresa de engenharia.
Os filhos, Yara e Riad, estão na escola e já falam português. Ele e a mulher, Ghazal, esperam outro bebê, que nascerá no Brasil.
Ávidos por se adaptarem à vida no novo país, eles costumam fazer passeios em museus e parques da cidade junto com novos amigos brasileiros. O Natal e o réveillon eles passaram na casa de uma família de São Paulo. Mesmo quando a guerra chegar ao fim, não pensam em voltar para a Síria. “Acho que falta muito tempo ainda para a guerra acabar. Aqui já tenho meu trabalho, meus filhos falam português bem. Temos nossa vida aqui. No futuro só quero voltar lá para visitar”, conclui.
Fonte: G1