Não há trabalho nem apoios. Conselho para os Refugiados estima que mais de 70% já abandonaram o país
Chegaram a Portugal a fugir da guerra e da miséria e a acreditar que iam ter uma vida melhor. Com o aumento do desemprego e a falta de apoios sociais, grande parte dos refugiados já fugiu para outros países. Os que ainda cá estão, a ter de escolher entre pagar a renda ou comer, já só pedem para sair. Não têm esperança que a situação mude, preferem trabalhar ilegalmente noutro país da União Europeia.
Um dos que desistiram de Portugal conta ao Expresso a sua história, por telefone, a partir da Alemanha: o país que deixou no fim do ano passado é muito diferente daquele de que os funcionários das Nações Unidas lhe falaram, em Kiev, em 2009, quando o chamaram e lhe disseram que Portugal estava pronto a recebê-lo, com a família.
Naquele pequeno escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apresentaram-lhe um país seguro e estável, ao contrário da sua nativa Etiópia, onde ia poder trabalhar, estudar e ver o filho crescer. Nos primeiros anos, o país correspondeu às expectativas. A vida foi correndo bem e em Portugal nasceu mais um filho.
Em abril de 2013 deixou de receber o apoio por parte da Segurança Social, que servia para pagar a renda e despesas da casa e viu-se limitado a um rendimento de inserção social que não chegava para pagar a renda. Foi aí que decidiu emigrar ilegalmente, pois os refugiados só podem trabalhar legalmente no país que os acolhe. “Para mim, a economia era o último problema. Gosto de Portugal, é um bom país, mas para lá continuar a morar ou pago a renda ou como.”
A história repete-se com mais famílias de refugiados reinstalados que chegaram a Portugal enviados pelas Nações Unidas.
De um universo de 450 pessoas já serão bem menos os que ainda cá estarão. “No princípio tinham apoios que lhes davam uma vida razoável, mas com a equiparação â imigrantes convencionais, esses apoios foram cortados e começaram a abandonar o país. Não temos condições para fazer um estudo, mas estimamos que mais de 70% já saíram”, adianta Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR).
Em abril de 2013, os refugiados há mais de três anos em Portugal começaram a receber cartas da Segurança Social, que lhes cortava os apoios sociais em cerca de 70%. Esta alteração resulta de uma equiparação feita entre refugiados, imigrantes e portugueses em situações de carência. “Os refugiados não podem ser considerados imigrantes, vêm a fugir à guerra, não podem voltar para o país de origem, não têm família a quem pedir ajuda, não têm redes de apoio”, frisa Cristina Santinho, antropóloga e investigadora do ISCTE que há oito anos trabalha com refugiados.
A Segurança Social garante que “cada caso foi analisado individualmente, de forma a que eventuais alterações nos apoios concedidos não colocassem em causa o processo de integração dos refugiados”.
Mas foram muitas as famílias que não viram alternativa a partir. “Tentámos fazer ver ao Estado português que esta população merece apoios mais alargados e continuados, mas o Estado não entendeu assim”, explica Teresa Tito de Morais.
As diligências do CPR foram em vão e as famílias que ainda não saíram de Portugal pedem ao Governo que crie condições para que possam trabalhar legalmente noutros países.
Ahmed Abdalla, 46 anos, natural da Somália, é o porta-voz da comunidade de refugiados que desde abril envia cartas, em cinco línguas, ao Governo, ao ACNUR, a António Guterres,,ao Presidente da República, ao Papa, ao provedor de Justiça, a pedir que os deixem ir procurar trabalho noutro país.
“Não queremos subsídios, queremos trabalho; se não há em Portugal, deixem-nos ir procurar noutro lado.”
Sem caução nem fiador
Todos os meses, tal como as outras famílias de refugiados, Ahmed tenta garantir alimentos e roupa para os três filhos menores na Mesquita de Lisboa ou através de centros de distribuição de alimentos. Os 427- euros que recebe do RSI quase coincidem com o que paga de renda de casa e nem ele nem a mulher conseguem arranjar trabalho. “Já tentei procurar uma casa mais barata, mas não tenho dinheiro para a caução nem fiador.” Na Bobadela, localidade perto de Lisboa onde mora grande parte dos refugiados, para ficarem perto do centro de acolhimento do CPR, passa os dias a tentar arranjar uma solução. No café onde se junta a outros chefes de família conta-se o número dos que fugiram. “Conhecemos pelo menos 170″, diz Mahmoud Ayad, refugiado iraquiano.
Até este ano, Portugal recebia 30 refugiados por ano, mas essa quota foi aumentada para 45. Um número muito diferente dos 20 mil sírios que a Alemanha recebeu desde o final do ano passado ou dos 7000 da Suécia.
Fonte: Ordem dos Advogados