Sistema de imigração italiana passa por crise

sexta-feira, junho 27, 2014

Roma tem dificuldade em oferecer qualquer assistência para aqueles que chegam, que acaba recaindo como responsabilidade de voluntários

Estudantes de medicina ajudaram a examinando dezenas de imigrantes recém-chegados do Chifre da África. Foto: Massimo Berruti / NYTNS

Estudantes de medicina ajudaram a examinando dezenas de imigrantes recém-chegados do Chifre da África. Foto: Massimo Berruti / NYTNS

Não faz muito tempo, dois médicos voluntários e alguns estudantes de Medicina se movimentavam com cuidado em uma sala pouco iluminada, examinando dezenas de imigrantes recém-chegados do Chifre da África. Tratavam manchas nos braços, pernas e pés, sinais típicos da sarna, iluminando as áreas afetadas com o smartphone. Perto dali, um pediatra auscultava os pulmões de vários bebês e crianças.

A clínica improvisada foi montada em um prédio abandonado na periferia de Roma popularmente conhecido como o Palácio Salaam, onde centenas de imigrantes vivem há anos. Com a crise do setor na Europa, o lugar está lotado, os recém-chegados relegados às garagens do subsolo, tendo apenas um colchão amassado no chão.

A superpopulação local é uma crise que reflete uma emergência maior, nacional, desencadeada pela onda de mais de 50 mil estrangeiros que chegaram à Itália desde o início do ano, número que já supera o volume de todo o ano de 2013. O fluxo afetou seriamente os recursos do país, gerando miniaturas de Palácios Salaam em diversas cidades, com os aspirantes a asilo distribuídos entre os centros de refugiados, hotéis e dormitórios improvisados.

Com a chegada do verão, os números devem crescer ainda mais. E o sistema já está a ponto de colapso devido ao excesso: um noticiário denunciou em junho que um grupo de imigrantes que tinha acabado de aportar em Puglia foi levado de ônibus para a capital e deixado às moscas, perdido, em um estacionamento. Mesmo em Roma, o Palácio Salaam é apenas um dos muitos prédios invadidos, embora seja o mais famoso. Em discurso à nação, em 2012, o presidente italiano se referiu a ele como — uma vergonha nacional —.

O lugar é tão conhecido que estrangeiros a centenas de quilômetros dali fazem dele o seu destino. O prefeito de Roma o visitou no ano passado, prometendo ajuda; o Papa Francisco mandou o seu próprio Esmoler, discretamente, para pôr em prática sua mensagem social, além de operários para desentupir as fossas e a doação de um galpão pré-fabricado com chuveiros.

Entretanto, quem mora ali afirma que esses arroubos de atenção, assim como cada leva de recém-chegados, apenas enfatizam tudo o que continua errado na política de imigração italiana e, em termos mais gerais, europeia.

Este ano os partidos populistas ganharam terreno por todo o continente graças à manipulação do medo da imigração, direcionando o debate para a concorrência econômica e o ônus social de um continente tradicionalista, que parece mais inclinado que nunca a se isolar das forças globais, seja em termos de competição corporativa, inovação digital ou movimentação dos povos.

Nada disso, porém, impediu que as pessoas superassem suas defesas.

— Todo mundo conhece Salaam, esse lugar é conhecido até na África; o pessoal antes de mesmo de sair da Líbia já faz planos de vir para cá —, afirma o sudanês Bahar Abdalla, que mora no Salaam há tempos. — Não mandamos ninguém embora, mas estamos preocupados. Do jeito que está não pode continuar —.

Poucos são os que, voluntariamente, pedem asilo na Itália, a maioria prefere apenas poder seguir para o norte da Europa , às vezes como lar temporário, às vezes permanente, principalmente aqueles forçados a permaneceram no país por causa do Regulamento de Dublin, da União Europeia. Com o objetivo de desencorajar os pedidos múltiplos de asilo, o imigrante tem que fazê-lo apenas no país-membro por onde entrar.

Segundo funcionários de agências humanitárias, a lei não oferece proteção eficiente ou efetiva para os imigrantes, além de significar um peso desproporcional aos países do bloco banhados pelo Mediterrâneo.

Em outubro de 2013, depois que centenas morreram em um acidente nas proximidades da ilha de Lampedusa, na região mais meridional do país no Mediterrâneo, a União Europeia reforçou as patrulhas navais, tanto para controlar o fluxo de imigrantes como para auxiliar as embarcações com problemas; no entanto, os críticos dizem que elas só reforçaram o incentivo para a perigosa travessia porque o número de pessoas que se arriscam é cada vez maior.

— Agora eles chegam ainda cobertos de sal do mar—, conta Donatella D’Angelo, médica do grupo voluntário Cittadini del Mondo, ou Cidadãos do Mundo, que atende semanalmente na clínica do Palácio Salaam há oito anos. — Antigamente eles pelo menos eram alimentados e podiam se limpar nos centros de recepção de Lampedusa—.

— A crise foi empurrada para os centros ocupados em vez de ser solucionada, ou pelo menos discutida, em nível nacional e europeu por aqueles que têm poder para fazer alguma coisa—, ela reclama.

Desesperada e cansada de esperar pela ajuda do governo e das autoridades locais, a médica fez um apelo público para doação de itens de higiene pessoal, toalhas, lençóis, roupas e remédios. Muitas instituições de caridade se movimentaram, incluindo uma escola primária que recolheu várias escovas e pasta de dente.

Logo depois da campanha, dezenas de jovens, alguns ainda na adolescência, mulheres e crianças de idades variadas aguardavam em fila, pacientemente, para receber as doações dos voluntários e moradores mais antigos.

— Está muito difícil morar aqui do jeito que está; tivemos que colocá-los lá embaixo na garagem, só com colchões, porque é o que temos para oferecer—, lamenta Ibrahim Abdala, voluntário originário de Darfur, no Sudão, que vive no prédio há seis anos.

Uma jovem da Eritreia sorri timidamente e acena quando Rosana Patti, voluntária que também dá aulas semanais de italiano no Salaam, tira uma camiseta rosa da caixa de roupas femininas doadas. — Se o volume continuar crescendo, não sei se vamos dar conta—, teme ela.

Os críticos do sistema italiano alegam que a assistência aos refugiados e àqueles que buscam asilo é fragmentada entre um número muito grande de agências que não conseguem se coordenar. Sem outros programas eficientes de integração dos imigrantes à sociedade, a situação é — uma bomba relógios prestes a explodir—, sentencia Christopher Hein, diretor do Conselho Italiano de Refugiados.

— Não há assistência inicial aos novos imigrantes. É verdade que não estamos bem preparados, mas isso acontece porque não há planejamento—, diz Daniela De Capua, diretora da agência federal de proteção aos asilados. — A Itália continua tentando manter como emergencial uma situação que virou lugar-comum—.

Roma, como outras cidades que ainda sentem as consequências da longa crise econômica europeia, tem dificuldade em oferecer qualquer assistência, que acaba recaindo como responsabilidade dos voluntários.

Há, porém, sinais de que o fluxo recente forçou o governo a se movimentar: as autoridades médicas, por exemplo, se reuniram com vários grupos nas últimas semanas para discutir a situação. Surgiram promessas de remodelação da clínica e construção de um depósito para as doações. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha criou uma unidade móvel e uma ONG prometeu limpar a garagem e doar camas.

O prefeito de Roma, Ignazio Marino, visitou o Palácio Salaam em setembro passado com uma delegação e também se comprometeu a ajudar, mas para aqueles que se fixaram ali há anos, as promessas políticas não têm muito peso.

— O Marino veio, falou conosco, mas, no fim das contas, foi como se nada tivesse acontecido porque nada mudou e a coisa só piora—, desabafa um morador que não quis se identificar. Ele conta que houve inúmeros protestos e pedidos de ajuda, sem resultado algum. — Entra governo, sai governo e nada acontece. É só conversa fiada. Continuamos todos aqui, à espera—.

Para Marino, o problema não se limita à sua cidade. A Europa como um todo — tem que oferecer oportunidades a essas pessoas, não só camas, mas chances de começar a vida—, afirmou ele por telefone no início do ano. E pediu um plano estratégico para os refugiados.

— Esse é um desafio que tem que ser encarado pela União Europeia como um todo—, concluiu ele.

Fonte: ZH


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