Cristão ortodoxo, George David, de 17 anos, trabalha de dez a 12 horas por dia em uma oficina mecânica em Dekweneh, na periferia de Beirute. Ele largou os estudos antes de fugir da Síria e não tem ideia de quando poderá retomar o ensino fundamental. Divide uma casa com duas irmãs e um irmão, além da tia e avó. A família engrossa uma comunidade que até o fim do ano deve exceder um terço da população libanesa: os refugiados sírios são hoje, um dos maiores problemas do país. Mais da metade é formada por jovens e crianças, sem alfabetização.
Richard FurstRichard FurstGeorge David, 17 anos, trabalha 10 horas por dia em uma oficina mecânica. Largou os estudos antes de fugir da Síria, frequenta espaço social da periferia de Beirute, quer autógrafo do Neymar e torce pelo Brasil na Copa.<252>- Eu queria ir para qualquer lugar, mas não o Líbano. Meus pais (que estão na Síria) me forçaram a vir. Cheguei a sonhar com o Brasil e desejo a vitória para os brasileiros agora na Copa de 2014. Quero um autógrafo do Neymar, mesmo com a equipe não mostrando muita raça – brinca George, que quer se esquecer das bombas, das mortes e sonha em voltar à Síria.
COMUNIDADE SÍRIA É DISCRIMINADA
País com 4,4 milhões de pessoas, o Líbano recebeu 38% dos refugiados sírios, que deverão somar 1,5 milhão até dezembro. Fogem da guerra iniciada há três anos e trazem novos problemas sociais ao país vizinho: mães que deixam os filhos em casa para se prostituírem, aumento no número de crimes e a transferência de características originais da Síria. Cartazes de Bashar al-Assad, das eleições presidenciais sírias de junho, por exemplo, ainda estão expostos em um bairro xiita de Beirute. Os problemas se somam à instabilidade, aos delitos e à tensão entre sunitas, xiitas e alauitas.
- A crise dos refugiados ameaça nos levar para um colapso econômico, político e até mesmo de segurança – alertou o ministro libanês dos Assuntos Sociais, Rashid Derbas.
Mulheres e crianças sírias são frequentemente vistas pedindo esmolas em ruas de Beirute. Apesar de parte dos refugiados morar em apartamentos alugados, há muitos que vivem em abrigos em estacionamentos e prédios abandonados em periferias. Isso leva a comunidade refugiada a se tornar foco de diversos tipos de preconceito. A maioria não considera a trajetória finalizada.
Ricard FurstRichard FurstSonho. Os irmãos Zena, Abdu e Fatma Kadalo: trabalho pouco remunerado no Líbano e vontade de morar no Brasil, mesmo sem falar o idioma- O desafio é tentar pagar aluguel caro, lidar com os altos preços do Líbano e economizar para tentar conseguir vistos ou cartas e deixar o país – diz Hádia Haout, de 24 anos, mãe de três crianças com 3, 6 e 10. Ela não tem ideia de como está a casa em que vivia com os filhos na região de Aleppo.
Mesmo coberta com o véu, a muçulmana expõe o nervosismo e, por estar ao lado dos filhos, tenta controlar a forma com que expõe as palavras para definir o sofrimento na fuga da Síria. A escola das crianças foi bombardeada duas vezes enquanto vivia no Noroeste da Síria. O marido perdeu o trabalho e as explosões eram frequentes ao lado da casa que morava.
- As dificuldades parecem ser cada vez maiores com o passar do tempo. Os meus filhos não perceberam que estamos fora do país. Fogos de artifício ou uma moto que passa rápido na rua são momentos de pânico para eles e para mim. Vimos a definição de “desastre” em frente aos nossos olhos. Vai ser difícil esquecer o que é isso – desabafa Hádia.
Apesar das dificuldades no dia a dia que a refugiada síria pontua, ela se mostra resistente. A abaya (túnica ou vestido muçulmano) está impecável e o véu, decorado com detalhes florais, adorna bem o rosto. As crianças também usam roupas limpas, que ela acabou de lavar. O marido trabalha como ascensorista no Centro de Beirute.
TORCIDA PELO BRASIL EM BEIRUTE
Psicóloga e educadora, Jimmy Geagea coordena a Comunidade Central de Dekweneh, na periferia. No centro social, crianças, jovens e mulheres se encontram em reuniões e buscam resgatar sua identidade no contato com pessoas da mesma região. Esta é a segunda ONG que a libanesa trabalha, cuidando e atendendo refugiados. O objetivo é não aproximar xiitas de sunitas para evitar atritos.
- É estranho, porque quando eu penso já ter ouvido a pior história, chego ao trabalho e logo me deparo com sírios, e agora também iraquianos, que têm chegado aos poucos e clandestinamente. Em alguns casos, as perdas ao sair do país são tão grandes que o único bem é a roupa do corpo, muitas vezes adquirida pelo caminho. A original foi rasgada pelos arames farpados, escondidos no deserto – recorda Geagea.
Um turista no Líbano não vai distinguir refugiados dos libaneses pelas ruas de Beirute, já que os imigrantes espalham-se por todas as partes, desempenhando diferentes trabalhos – principalmente na construção civil e em oficinas mecânicas.
O Mundial se tornou motivo de alegria e alívio para os refugiados. Bandeiras brasileiras se destacam pelas ruas de Dekweneh e Faras, no subúrbio de Beirute, onde há grande concentração de refugiados da Síria e do Iraque pós-Sadam Hussein. Três de nove irmãos curdos – Zena Kadalo, 26 anos; Abdu, 17; e Fatma, 20 – esperam um dia se mudarem para o Brasil, mesmo sem falar a língua e saber como serão os meses de adaptação num país distante.
A família deixou o Iraque e há dois anos está no Líbano. São 11 pessoas na mesma casa e o maior desafio é pagar o aluguel. Como Abdu é o único homem dos filhos, as irmãs têm autorização para trabalhar fora. Fatma é cabeleireira e Zena trabalha em uma lavanderia. Abdu empregou-se como marceneiro em uma loja de móveis para cozinha.
- Temos um sotaque diferente, ganhamos menos do que um libanês e ainda enfrentamos a segregação por retirarmos empregos de moradores, já que os patrões preferem gastar menos com pessoas como nós – frisa Zena Kadalo.
Fonte: Yahoo Notícias