“É como Lampedusa”. É assim, evocando os imigrantes ilegais que chegam de barco às centenas à ilha italiana, que o eurodeputado Rui Tavares define o voo da TAP que transportou os 74 alegados sírios (entre os quais 23 crianças e 15 mulheres), com passaportes falsos da Guiné-Bissau para Portugal esta terça-feira.
Rui Tavares – que trabalha em políticas de defesa dos direitos dos refugiados no Parlamento Europeu – sublinha que “o facto de os refugiados terem chegado pela Guiné-Bissau mostra também que as rotas tradicionais estão a mudar. Há um desespero e desordenamento que os está a levar a abandoná-las e a fazer o que for preciso para chegar à Europa”.
Uma fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem a mesma impressão: “Começa a ser recorrente e estas rotas estão a tornar-se problemáticas”, avisa, lembrando que, a confirmar-se a nacionalidade destes refugiados, não se tratou da primeira vez que chegaram sírios ao país vindos da Guiné-Bissau.
Portugal transformou-se, nos últimos seis meses, numa plataforma privilegiada para o acesso a países europeus a partir da Guiné-Bissau, do Mali, ou da Turquia. Em Abril, tinham sido detectados outros 30 sírios no aeroporto de Lisboa, com documentos falsos e também vindos de Bissau.
Por cada um dos passaportes, os refugiados pagaram cerca de 5 mil euros a uma rede de imigração ilegal na Turquia. E o destino não seria Portugal, mas a Alemanha, avançou uma fonte do SEF, ainda a investigar estas 74 pessoas, que pediram entretanto asilo. As autoridades admitem que parte dos refugiados possam não ser sírios e que haja entre eles criminosos de guerra ou radicais islâmicos.
No voo de terça-feira, segundo testemunharam os próprios tripulantes ao SEF, o comandante da TAP – que anunciou a suspensão da rota entre Lisboa e Bissau – e a sua equipa terão sido ameaçados por militares e pela Polícia guineenses, com armas, para embarcar os 74 passageiros.
“A política do ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados] de controlo dos fluxos de refugiados não está a funcionar e a reinstalação não está a ser feita”, alerta Rui Tavares. E, apesar de existir um fundo europeu de 700 milhões de euros para apoiar os países no asilo aos refugiados, “esse fundo não está a ser utilizado pelos Estados-membros. Apenas 12 países, incluindo Portugal, o utilizam”. O SOL contactou o ACNUR, mas não obteve resposta.
Refugiados realojados
Os refugiados foram entretanto realojados em centros da Segurança Social, na Colónia Balnear O Século e da Santa Casa da Misericórdia, enquanto aguardam resposta aos pedidos de asilo.
E os problemas diplomáticos levantados pela sua chegada forçada a Portugal estão longe de ser o único problema relacionado com o caso. Há uma questão humanitária a ser resolvida, alerta o eurodeputado Rui Tavares: “Estamos a falar de requerentes de asilo, que não podem simplesmente ser reencaminhados para a Síria e que, ao requererem espontaneamente asilo ao país, sem passar pelo ACNUR, se tornaram um problema português. É Portugal que tem de analisar cada um dos pedidos de asilo e averiguar se há condições para o conceder ou não”. Para o eurodeputado, o país deverá reunir condições para o acolhimento. “Não é agora um problema europeu”, insiste.
Essa é aliás a tentativa que está a ser feita por vários países que recorrentemente têm de lidar com a entrada de refugiados e imigrantes ilegais no seu território – como Grécia, Bulgária e Itália, onde recentemente aconteceu a tragédia de Lampedusa. “Este caso lembra o da embarcação”, diz Rui Tavares.
“A um nível europeu, há duas formas de lidar com este problema”, considera ainda o eurodeputado: “Uma é que a União Europeia centralize e distribua os requerentes de asilo pelos países; outra é assumir que estes refugiados não querem vir para Portugal mas para a Europa e assumir a sua entrada como um problema europeu”. No entanto, lamenta, “estas soluções estão bloqueadas no Conselho Europeu e também deverão ficar no Parlamento”.
Fonte: SOL