Não é toda família que poderia receber 16 hóspedes em sua casa de repente. Mas foi exatamente o que Mengistu, refugiado etíope, fez quando seu tio – cidadão sul-sudanês – foi deslocado pela violência que varre seu país.
Mengistu, 33, que buscou refúgio no Sudão do Sul em 2006, recebeu, no mês passado, uma ligação de seu tio, Akway, dizendo que ele, duas esposas e 13 filhos tinham fugido de sua cidade-natal, Bor, a pé – e já estavam andando há mais de dois dias. Forças do governo agora dizem que recapturaram Bor da oposição, e filmagens de televisão mostram que a cidade foi reduzida a pó.
Mas Akway, 48, enfermeiro de sala de operações, não ficou para a batalha. Assim que a violência explodiu ao longo do Sudão do Sul em meados de dezembro, ele pegou sua família e fugiu.
“Nós morávamos no melhor lugar, mas fugimos”, ele diz em inglês. “Deixei tudo para trás. Essas roupas, peguei de alguém”, diz, apontando para o terno cinza que usa atualmente no assentamento. Ao longo da estrada, suas esposas alimentaram os filhos apenas com biscoitos quebrados que outros tinham deixado na poeira enquanto também fugiam.
Como resultado, seus filhos, com idades de três a 20 anos, pegaram diarreia, que ele curou com raízes arrancadas da beira da estrada, usando medicina tradicional aliada ao seu treinamento médico. O caminho de Bor até Juba tem mais de 200 quilômetros. Com tiros ao redor, suas crianças chorando e suas esposas o censurando, ele finalmente conseguiu contato com Mengistu por telefone, depois de duas noites dormindo ao relento.
Mengistu é motorista e – de forma incomum para um refugiado nessa parte do mundo – possui um veículo de quatro rodas. Foi presente de um homem cuja vida foi salva pelo falecido pai de Mengistu.
Então ele pode dirigir ao longo da estrada até que encontrou seu tio, Akway, amontoou a família inteira dentro do carro e os trouxe para o humilde complexo que ele divide com sua mulher e dois filhos em Gorom, um assentamento para 2.400 refugiados etíopes a aproximadamente 25 quilômetros a oeste de Juba, capital do Sudão do Sul. Desde que o conflito começou no país, mais ou menos 500 sul-sudaneses também procuraram abrigo aqui.
Relembrando a noite em que trouxe a grande família de seu tio para casa, Mengistu diz: “Quando eles chegaram, pareciam assustados, mas dissemos a eles ‘vamos acreditar em Deus, porque nosso Deus está conosco”.
A família de Mengistu divide alegremente as provisões de comida com todos os hóspedes. “O problema é que não temos comida suficiente’, ele diz. “Eles estão conosco há uma semana. Nesse tempo, dividimos a comida e ela acabou. Não sei o que vou fazer”.
Os serviços comunitários da agência da ONU para refugiados visitaram a família recentemente para ver do que eles precisavam para continuarem sendo bons anfitriões – e para garantir o bem-estar de todos os refugiados assim como dos sul-sudaneses que buscaram segurança aqui.
“De acordo com os relatórios que temos, a comida deles acabou antes do final do mês porque eles a dividiram com os recém-chegados”, diz Joyce Nduru, oficial de serviços comunitários do ACNUR.
Mengistu percebe a ironia no fato de refugiados darem abrigo a cidadãos do próprio país que protege os etíopes. Mas ele diz que jamais poderia virar as costas aos seus parentes sul-sudaneses.
“Quando eles vieram, não os expulsamos”, diz Mengistu. “Nós os aceitamos porque somos um. O que aconteceu com eles também aconteceu conosco”.
Por Kitty McKinsey no Assentamento Gorom Settlement, Sudão do Sul.
Fonte: ACNUR