Apesar das dificuldades encontradas na organização e graças ao empenho dos organizadores, mobilizados através da Comissão Organizadora Estadual e das Subcomissões, a Comigrar foi realizada nos dias 19, 20 e 21 de março na OAB, Rio de Janeiro.
Com uma dinâmica baseada em Conferências Livres promovidas por instituições e ONG´s, o objetivo era debater e votar propostas para políticas públicas referentes à imigração e ao refúgio e, além disso, indicar delegados que representarão o Rio de Janeiro na esfera nacional, que ocorrerá no mês de maio em São Paulo.
O evento foi aberto para imigrantes, refugiados, solicitantes de refúgio, estudantes, pesquisadores e todos os interessados no tema; o que permitiu o desenvolvimento do debate com a junção das esferas prática e teórica – essencial para o desenvolvimento de propostas no âmbito das políticas públicas.
As Conferências, de forma geral, tinham uma temática central que, obviamente, se encaixava na proposta da Comigrar e em algum de seus cinco eixos de convergência e sistematização. Eram eles: igualdade de tratamento e acesso a serviços e direitos; inserção social, econômica e produtiva; cidadania cultural e reconhecimento da diversidade; abordagem de violação de direitos e meios de prevenção e proteção; e, por fim, participação social e cidadã, transparência e dados.
Mas, apesar de ter uma base ou eixo central, como os assuntos se relacionam e, muitas vezes, se influenciam, houve muitos pontos convergentes em relação às propostas elaboradas em diferentes Conferências.
A Conferência do Laboratório de Direitos Humanos – LADIH – da Faculdade Nacional de Direito, por exemplo, teve sua ênfase no papel da academia e dos acadêmicos no estímulo, difusão, sistematização e efetivação dos direitos de migrantes e seu ensino nas Instituições Educacionais Brasileiras – tanto públicas como privadas.
Discutiu-se, portanto, propostas que visavam intensificar a agência acadêmica no sentido de auxiliar e contribuir na discussão e melhoramento da condição de imigrantes e refugiados. Como ressaltado, o Brasil é naturalmente um país de imigração – e sua história não lhe deixa negar.
Por isso, uma das propostas defendia a inclusão de disciplinas que apontem diretamente para o debate e aprendizado acerca dos direitos dos migrantes, promovendo investigações relacionadas às violações desses direitos, com uma análise de seus resultados socioeconômicos – pois o tratamento não igualitário tem custos e, idealmente, deve-se buscar o desenvolvimento de uma relação igualitária que seja benéfica para migrantes e nacionais.
O conhecimento produzido seria divulgado, levando-o para além dos muros das Universidades, contribuindo, dessa forma, para um processo de conscientização e uma relação contínua que deve se configurar entre as instituições de ensino e a sociedade civil.
Através desses tópicos, a necessidade de visibilizar e humanizar os migrantes também se fez presente no debate. É preciso, portanto, desburocratizar alguns esferas institucionais brasileiras, que acabam por atrapalhar a vida do migrante. Um exemplo – que também se tornou proposta – foi a revalidação dos diplomas emitidos em solo estrangeiro, que, muitas vezes, não é concedida aos migrantes, apesar de devidamente formados.
Outra demanda relacionada ao meio acadêmico diz respeito à necessidade de repensar convênios bilaterais de formação universitária e, com isso, refletir e melhorar a estrutura encontrada aqui para receber estudantes estrangeiros.
Alguns pontos foram citados em diversas Conferências, como, por exemplo, a necessidade de reformulação do Estatuto do Estrangeiro, que se mostra decrépito e contaminado por uma ótica autoritária, e a formação de uma Agência Nacional de Imigração, que assumiria para si tarefas que hoje se centralizam na figura da Polícia Federal, o que demonstra que, ainda hoje, o migrante é tratado como um assunto de segurança pública.
A partir disso, ressaltou-se, mais uma vez, a necessidade de humanizar a figura do migrante e tratá-lo como tal, não somente como um caso de segurança, mas tratando-o dignamente e baseando-se nos direitos humanos, pois existem assimetrias históricas que precisam ser corrigidas – e isso deve começar no plano presente. Para isso, seria preciso criar uma nova base institucional e normativa, que seria o alicerce para novas iniciativas.
Outro ponto também muito citado foi a necessidade de transparência e maior visibilidade de informações que afetam intensamente a vida dos migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio. É preciso que eles conheçam os métodos de avaliação de sua possibilidade de permanência e, caso algo lhes seja negado, é preciso informar lhes o porquê. E, além disso, os direitos políticos de migrantes e estudantes também embasaram propostas, como a necessidade do direito a voto em esfera nacional e direito à manifestação, participação proibida para determinados estudantes de acordo com certos convênios bilaterais.
Para além da Comigrar deste ano, ressaltou-se a importância de tornar esse espaço em um espaço de discussão duradouro, pois, além da necessidade de discussão da temática, é necessário dar voz àqueles que experienciam a vivência migratória e convivem cotidianamente com suas demandas e necessidades. Ninguém melhor que os migrantes para representar-se e falar sobre as dificuldades encontradas no percurso migratório.
Que a iniciativa, que ainda se encontra em seu momento de formação por ser o primeiro ano, possa se multiplicar e ocorrer durante muito tempo, pois sabe-se que o caminho para alcançar uma condição igualitária é longo e árduo.
Mas sabe-se também que é a partir da participação e da utilização de mecanismos de reivindicação e comunicação que poderemos concretizar todos esses anseios. A Comigrar, mesmo antes de terminar, já era uma vitória da sociedade civil pelo modelo utilizado e pela iniciativa. E a vitória se concretizou com o debate e a elaboração de propostas que refletiram bem as necessidades e dificuldades encontradas.
Fonte: O Estrangeiro