Quantos de nós estamos realmente prontos para fazer um ato tremendo de bondade sem esperar nada em troca? Nenhum reconhecimento, nenhuma medalha ou aplausos. Parece ser da natureza humana, mesmo em actos aparentemente solidários, ter o desejo de sua imagem ser valorizada, uma forma de egocentrismo disfarçado de altruísmo.
Mas o Inglês Nicholas Winton é um caso a parte. Na véspera do início da Segunda Guerra Mundial em 1939, esse homem salvou 669 crianças de famílias perseguidas da antiga Checoslováquia, ocupada na época pela Alemanha Nazista.
E o mais incrível foi que isso ficou em segredo até 1988, quando sua mulher encontrou os registos de sua ação no sótão de casa. Isso mesmo, Nicholas não havia contado nem mesmo para sua esposa.
Como foi esse resgate?
Seu amigo Martin Blake, um membro da associação britânica de refugiados da Checoslováquia, convidou Winston para vir a Praga e lhe mostrar algo. Ao chegar no país, Nicholas viu uma situação triste, judeus assustados e um clima de insegurança enorme já que a qualquer momento, eles poderiam ser enviados para campos de concentração.
Sabendo que o tempo era curto, ele resolveu agir rápido. Inspirado num programa chamado Kindertransport que havia resgatado 10.000 crianças judias da Alemanha e Áustria para a Inglaterra, Nicholas rapidamente se organizou para fazer o mesmo na Checoslováquia.
Tive a ideia certa de resgatar as crianças quando todo mundo achava que nem valeria a pena tentar
Sem autorização no início, utilizou o nome da associação de Blake para receber formulários dos pais das crianças e montou um escritório temporário em Praga. Voltou para Londres e fez o trabalho mais difícil: pesquisou famílias e abrigos que estariam dispostos a recebê-las e levantou 50 libras por criança (uma quantia altíssima na época), como exigências do governo britânico para autorizar o transporte.
Após toda a burocracia resolvida, de março a setembro de 1939, organizou 8 viagens que levaram 669 crianças em segurança para a Inglaterra. No fim desse período, quando a Alemanha invadiu a Polônia, a Inglaterra declarou guerra aos nazistas e os transportes posteriores foram cancelados.
Infelizmente um último trem programado com 250 crianças nunca saiu do país devido a vários bloqueios impostos com o início da guerra. Nicholas se arrepende muito de que esse último não tenha dado certo “Sempre penso nelas, porque poucas horas fizeram a diferença entre iniciar uma vida nova ou ser morta. Não se ouviu falar daquelas crianças.”
Consequências da ação
As crianças salvas e hoje senhores de mais de 60 anos são eternamente gratos a Nicholas, afinal eles nunca mais ouviram falar de seus pais e muitos deles vivem vidas normais e felizes com seus filhos e netos. De refugiados de guerra, todos se encaminharam muito bem se tornando professores, escritores, enfermeiros, jornalistas, cineastas, biólogos e etc.
Além disso, muitos deles se tornaram pessoas generosas, estando directamente envolvidos em acções sociais.
Discrição e Anonimato
A mulher de Nicholas só descobriu quando encontrou um álbum velho com fotos de crianças, cartas e uma lista. Sua história havia sido guardada por 49 anos.
Ao perguntarem por que ele manteve em anonimato, ele simplesmente respondeu que não havia nenhum motivo para contar, afinal as crianças haviam sido salvas, que era seu maior objetivo.
Quando o perguntam se ele se considera um herói, essa é sua resposta:
Não me vejo como um herói. Para ser herói, alguém precisa fazer algo de perigoso. Não fiz. O que fiz foi algo que os outros achavam impossível. Mas eu tinha de tentar, para ver se era possível ou não. Meu lema é: se algo não é obviamente impossível, então deve haver uma maneira de fazer.
Nicholas após ficar conhecido recebeu diversos prémios mundo afora:
- Foi agraciado com a Ordem de Tomas Garrigue Masaryk, Quarta Classe, pelo Presidente Checo em 1998.
- No Aniversário da Rainha de 1983, ele foi nomeado como um Membro da Ordem do Império Britânico pelo seu trabalho na instalação na Grã-Bretanha de asilos da sociedade Abbeyfield e em 2002 foi nomeado cavaleiro pela rainha Elizabeth II em reconhecimento ao seu trabalho salvando crianças.
- O asteróide 19384_Winton foi nomeado em sua honra pelo casal de astrônomos checos Jana Tichá and Miloš Tichý.
- Vera Gissing, uma das crianças salvas na época escreveu a biografia de Winton, em agradecimento ao seu ato de coragem.
- Em 2008, Nicholas Winton foi homenageado pelo governo checo de várias formas. Uma escola de ensino elementar em Kunžak recebeu seu nome e ele foi agraciado com a Cruz do Mérito do Ministério da Defesa, Grau I. Também foi indicado pelo governo checo para o Prémio Nobel da Paz de 2008.
Programa emocionante na BBC quando os refugiados conheceram Winton pela primeira vez
No mesmo ano em que sua mulher descobriu a história, o programa inglês da BBC resolveu fazer uma surpresa para Nicholas. Disseram a ele que apenas assistiria a um show, mas o que fizeram foi colocar no auditório várias das crianças que salvou no auditório junto com ele. Quando a apresentadora do programa fez a pergunta “Quem daqui deve sua vida à Nicholas, por favor se levante”, o que aconteceu em seguida foi no mínimo emocionante.
Hoje Nicholas está vivo aos 104 anos e vive tranquilamente no interior da Inglaterra com sua esposa.
Fonte: Desenvolturas e Desacatos