A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Navi Pillay, condenou nesta segunda-feira (14) o uso sistemático da tortura, incluindo em crianças, em centros de detenção em toda a Síria por forças do governo e alguns grupos armados de oposição.
“Em um conflito armado, a tortura constitui um crime de guerra. Quando ele é usado de forma sistemática ou generalizada, que é quase certamente o caso na Síria, também equivale a um crime contra a humanidade”,disse Pillay.
“Exorto o Governo e os grupos armados da oposição na Síria a suspender imediatamente o uso da tortura e de maus-tratos, e para libertar todos aqueles que foram arbitrariamente detidos em condições que violam claramente as normas internacionais de direitos humanos. Os detidos devem ser tratados humanamente”, acrescentou.
Estes comentários vêm junto a um estudo publicado pelo seu escritório, contendo depoimentos detalhados de vítimas e testemunhas que passaram algum tempo em centros de detenção na Síria durante o conflito.
Homens, mulheres e crianças são detidos nas ruas, em suas casas e pou locais de trabalho e são presos em postos de controle administrados pelo governo. Ativistas, estudantes, advogados, médicos e trabalhadores humanitários são as principais vítimas de tortura, enquanto outros estavam “no lugar errado na hora errada”.
Segundo o estudo, os presos são espancados e humilhados por várias horas pelos guardas após chegarem ao centro de detenção, num rito conhecido como “festa de recepção”.
Violência sexual também é prática comum
Em depoimento, um estudante universitário de 30 anos descreveu como foi espancado, como sua barba foi retirada em pedaços, os pés queimados e suas unhas dos pés arrancadas com um alicate em uma instalação da Força Aérea Síria, em Hama, onde foi interrogado diariamente por mais de um mês.
Um homem e uma mulher descreveram o uso da violência sexual contra eles. A mulher, de 26 anos, teve sessões de interrogatório repetidas em longas noites, durante a qual foi espancada com cabos elétricos e seus dentes arrancados. Em outra ocasião, um agente de segurança a levou juntamente com outra mulher para uma sala onde foram estupradas.
Ex-detentos descreveram as condições abomináveis em centros de detenção do governo, incluindo um caso em que 60 pessoas foram amontoados em uma cela, com um buraco no canto para ser usado como banheiro.
Um homem de 60 anos, que passou três meses em diferentes centros de detenção descreveu como, todos os dias, seus companheiros de cela foram levados a interrogatório durante 30 a 45 minutos e voltavam com o rosto sangrando, mal conseguiam andar e tinham feridas expostas que permaneciam sem tratamento ficando infectadas.
Além desses casos, o estudo também faz referência a casos de pessoas que morreram na prisão em circunstâncias que sugerem a tortura como causa. “Ocasionalmente, as famílias são convidadas a assinar documentos afirmando que seu parentes foram mortos por grupos armados de oposição, e para enterrar imediatamente e discretamente o corpo”, afirma.
Grupos armados de oposição
O estudo também afirma que relatos de tortura por parte de grupos armados da oposição parecem estar em ascensão desde 2013, particularmente em Al Raqqa, no norte da Síria. E embora consigam documentar acusações contra esses grupos, é particularmente desafiador, devido à constante evolução de alianças e mudanças de associações, das suas estruturas de poder e áreas sob seu controle.
No entanto, testemunhos das vítimas sugerem que aqueles que correm maior risco de serem detidos e torturados por alguns grupos armados de oposição são ativistas que tentam documentar violações dos direitos humanos e indivíduos percebidos como pró-governo ou filiados a outros grupos armados de oposição.
Navi Pillay destacou que o direito internacional proíbe de forma inequívoca o uso da tortura, em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Afirmou que é crucial que aqueles em posições de autoridade condenem publicamente o uso da tortura e de outros maus-tratos, além de garantir que os culpados de cometer tortura sejam responsabilizados. Ressaltou também que a todas as vítimas de tortura e maus-tratos devem ser reparadas, incluindo compensação justa e reabilitação.
O Alto Comissariado também reiterou seu pedido ao Governo para permitir o acesso regular e sem aviso prévio a todos os centros de detenção para os observadores internacionais imparciais, incluindo seu escritório, a Comissão de Inquérito sobre a Síria e especialistas independentes da ONU de direitos humanos, para capacitá-los a controlar eficazmente a situação.
Fonte: ONU